26 de dezembro de 2006

torção

meu osso quebrou por dentro, fora não. uma rachadurinha de 8mm. é isso. meu osso sou eu nesse momento.

sou o tornozelo torcido de Jack...

24 de dezembro de 2006

agora

parece que liguei no automático. ainda me rasgo pra sair de dentro.

não tenho tempo pra tanta saudade que me bate.

beijos.

12 de dezembro de 2006

ecos no asfalto

às vezes parece que me afasto do mundo. às vezes parece que ele me fagocita como uma célula faminta a catar seus componentes perdidos. às vezes parece que chego mais perto de minha própria inteireza, respiro mais pleno, e o mundo se desloca um pouco mais no sentido de desaparecer nos vazios de si mesmo; aí, tudo é risível de uma felicidade serena, as coisas não tendo como não ser boas. aí, tudo é indescritível.

não sei das minhas palavras. me sinto fluido em um mundo enrolado e eu mesmo me enrolo na medida em que sou. é um mistério e realmente não sei de nada.

não basta reclamar e ficar perdido, eu sei. é um suspiro. não tenho idéia por que eu caminho, mas mesmo que se apresente um objetivo, não há ilusão maior. o que importa é o passo; nem horizonte, nem estrada: caminhar-dá.

(beijos)

6 de dezembro de 2006

Falo com Saco Cheio

Acho a psicanálise um saco cativante. Uma grande chatisse inspiradora. E, inevitavelmente, uma praga, com potência de ironia criadora.

Quer dizer, o cara vai lá e cria uma série de metáforas familiares para explicar fantasticamente o desenvolvimento do sujeito e enfim conseguir lidar com ele na clínica. Acho ótimo que sejam metáforas meio perversas, porque de quebra sugerem um Além do Bem e do Mal, já te dizem que a sexualidade é livre, não moral, e essa é a questão crucial da qual deve-se desviar: não escute enquanto Juiz, mas enquanto deslocador (e me falta palavra melhor). De quebra, são um manifesto ontológico-estético e cagam e riem da moral burguesa.

Exceto que são levadas a sério. E as criaturas não param de procurar o Diabo do Édipo, ou mesmo o tal do estágio do espelho (e só falta colocar o sujeito diante de um como terapia ou formulação de diagnóstico). E quando a gente menos espera estão todos palestrando a respeito, realmente seguros do que falam, cheios de livros e pastas, de compreensões e esse olhar imenso de quem, afinal de contas, só acompanha. Olhar que diz não me ligo nos discursos per se, pode falar em um rosto de quem não para de discursar.

Saudavelmente, acredito nisso tudo com muita graça. Não num sentido de requinte (até vá lá, quem sabe): acho mesmo muito engraçado. Às vezes o que me bate é o machismo de todo esse Papo de Falo, mas o segredo é que não há como argumentar a respeito de nada disso, porque a psicanálise é muito bem construida, e é feita no plano dos argumentos. (Se deixar, a psicanálise é puro Samsara. Pode não ser científica, mas é o ápice da ciência. É uma Ode da racionalidade ocidental. É a glória da lógica burguesa - e isso não é estranho?)

Pra mim, tão bem construido quanto seja a partir do ponto do qual parte, é simplesmente tudo arbitrário. Esse ponto não faz sentido se não for contextualizado. Com os preceitos de uma busca, não se faz escola, se faz busca. E acontece que praticamente só se anda sob o Império do chão de alguma outra pessoa.

Essa revolução estética já é uma caretice. Seu jeito de explicar mais frequentemente enclausura do que propicia a criação livre e algo interessante (e na verdade é lindo quando isso acontece). Se as pessoas se defendem são um porre, e me parece que nesse campo anda-se defendendo as mesmas coisas há um século. Nesse sentido, seguidores são muito chatos.

A psicanálise é um saco. Pobrezinha... sofre de psicanalistas.

5 de dezembro de 2006

Tem dias que a gente acorda com uma vontade quase irresistível de rasgar o Véu de Maia do Mundo e saltar pra dentro da Luz.

Vou fugir das coisas e viver só no sorriso...

4 de dezembro de 2006

manhã

a cortina enamorada canta ao vento cauda de cascavel.

ele de uma janela a outra orgulhoso e tímido passeia e corre.

Na partitura: "Toque como uma Fuga"

Tão pouco que sejam, as palavras são magnânimas. Tem o poder de definir.

Nada contra a definição, é uma importância de viver. Mas dado que a vida é um mistério inapreensível, qualquer definição será no mínimo uma imprecisão.

Somos radicalmente inseguros. Ou isso ou tudo é simples inércia, difícil dizer. Mas de alguma forma o poder de definir faz parecer que a vida é sim apreensível, passível de regramentos; que a vida é entendível esquematicamente - porque nossa racionalidade foge de outras consciências não-racionais. Como que a exigir uma segurnaçã radical, simplesmente não vemos que a vida é misteriosa. Assim não a encaramos, ela deixa de ser. Mas o que é mesmo que entendemos disso tudo?

As definições são alucinações. Somos delirantes de realidade.

3 de dezembro de 2006

split second

me sinto divido. uma parte de dentro bem dentro e outra de fora, parte de contato. eu sei, eu sei, isso é sim um clichê.

me sinto uma célula com uma membrana bem dura. assim, como ter dois eus. e é difícil ser dois quando um sabe que não é tudo, sabem? quando um fala com o mundo e fica tentando acessar o outro, e quando o outro lá de dentro não consegue pular pra fora e ser avassalador e conquistar as palavras pra além delas. fico tentando mandar sinais de dentro de mim mesmo pro mundo, sinais de fumaça que passem pela minha membrana dura. como alguém sugerindo uma expressão por detrás da máscara inevitável: oi, estou aqui, sei que não dá pra ver, mas dá pra confiar?

2 de dezembro de 2006

Alívio

Abro a porta do banheiro e faz uma corrente de vento. Na folhagem na janela, vejo um pássaro de asas batendo. O calor da rua antecipa o calor do banho por vir, mas é de uma natureza diferente.

Quando bate, o vento sempre tem um quê de liberdade.

27 de novembro de 2006

roubado de mim mesmo em alguém mais

inspiração do blog da Marília:


1

no revés das coisas
e no que escapa
as moléculas são, afinal
grandes preenchimentos de vazio

é só o espaço livre
que causa ecos
e a gente canta em duetos
com nós mesmos

um bando de solitários
juntos
se encontrando
e dissolvendo os espaços brandos
ou cheios de nada
em vida

o vácuo
passa a ser quente
quando bem tão bem
acompanhado


2

(Zen-lunático)

não há sombra melhor do que a de uma árvore, assim como não há espaço melhor para se ocupar com o próprio corpo do que o vazio deixado por alguma outra pessoa.

26 de novembro de 2006

Incentivo

"Senti que pouco a pouco esvanescia
como se tudo estivesse mais sentido
mais clareza... e preenchia o esboço
O esforço de um dia, fica de pé
esguio
que mais que vazio, provem o possível
o indizível de um todo sorriso
Já nasce invadindo... e rindo, rindo

Pele, ossos, gosto. O corpo escorria
vidinha... que veja ciente
o esforço sem músculos
Um corpo sem órgãos
Escopo, estudo, imundo
pouco a pouco potência
reforço, espaço, descaso.
Sou o mundo explodindo, colado
Eu não sou nada que faça
mínimo... disfarça!
Eu não convenço ninguém...
(pele, ossos... moço
olhos
Janela da alma)"

Guto, 17/10/2006


pensei em escrever um tanto de coisas. teclei, até, mas não deu pra resistir. hoje, agora, é só um vento batendo dentro de mim. pede vento fora que é pra sair, pra virar mundo. por isso que eu caminho por aí.

é claro que espero encontros. espero, aspiro. mas eles dão-se por si só, são tão autônomos aos planejamenos que podem até virar ranzinzas ou caprichosos. por isso, simplesmente caminho.

hoje, agora; há um pouco de tristeza; meu corpo dói, estou feliz.

25 de novembro de 2006

ou como diria o Quintana:

"Não subas, não desças, fica!
O mistério está é na tua vida.
E é um sonho louco este nosso mundo...."


recado da Cíntia e de coração, valeu!

A ética do declarado

O limite da coerência é a fala feita em frente do sujeito-assunto. Nada menos que o confronto, não permitir o conforto de quem diz de alguma outra coisa que, enquanto aqui é o porto, está lá em alto mar.

24 de novembro de 2006

Zen-lunático

Tenho precisado envelhecer pra ficar jovem. Algumas pessoas são assim, quando não vivem desde que nascem.

Sóbrio de Louco

Um olhar aberto
outro meio fechado
e a vida entra no corpo
em luz torta
pra declarar
fora de foco
a perenidade
alegre
das coisas

23 de novembro de 2006

Melancólico

Dança uma canção
pelas esquinas da cidade
Paira bamba,
bêbada,
triste de felicidade
Suspirando
uma saudade constante
que salta dos cantos,
que vem das cores ou
do vento
e que acaricia
os pulmões
por dentro
Num frio quente
arrepio
da vertigem
do caminho de dia qualquer
feito viagem

22 de novembro de 2006

Maldade de uma pira triste

voava como floco de leve, rolava como algodão de painera, sementes confortáveis, muito felizes. dava a mão para atravessar o rio como amigo em caminhada de verão, suspirava junto no ar de cima da montanha, apontava árvores, micos, e ria.

foi suave, quente de carinho, gostoso, e inspirava de segurança e docilidade. planou tranqüilo até cair no fogo: não queimou - e não era de estar encharcado - tantas vezes o algodão molhado parecia incandescente ao refrescar a pele - mas queimar, não queimava.

à semente restou perguntar por quê. ficou com medo de não querer parar de flutuar, mas ficou com medo de não descer pra conquistar o ar causando o próprio vento - do chão, crescimento, da pira, explosão. tremeu de tristeza e não soube. viver no fofo não deixou mergulhar por debaixo da terra.

saltou do algodão - barco de núvens - com lágrimas de semente.

21 de setembro de 2006

Ligações

Abro os olhos. Se projetam na minha frente os espaços vazios da grama.

Um homem medita a alguns metros de mim.

Ao mesmo tempo, uma velha e um cara atiram bolas aos seus cachorros que correm em direções opostas. Eles não se viram, estavam quase de costas. Um pensamento-anedota: a vida humana repete padrões definidos.

Minha meditação me causa. Quando me desloca, abro os olhos para realizar alguma percepção outra. Às vezes é uma viagem aflita. Me acalma. Me faz casa.

Naturalmente, calo. Mas hoje trouxe caderno.

20 de setembro de 2006

Da fábula dum poema de mim mesmo

Minha tia Lena me mandou isso por e-mail, achado nos confins de seus arquivos. Já faz tempo, quase como um outro Pedro. Me diz muito, portanto, no entanto, assim mesmo, especialmente - vai saber. Se tiverem paciência (que talvez precise um tanto), sejam bem-vindos:

Um dia, acordei com um poema dentro de mim. Poema que acorda com a gente é serelepe, seja triste ou alegre quer logo pra palavra pular, e se não vamos de uma vez com ele, pula da gente e se desfaz no ar.

Mas esse poeminha inquieto não. Joguei pra cabeça ir dando forma, mas num turbilhão, forma não tomava. Tentei com a boca, mas emperrou na língua, no maxilar - e nem ao escovar os dentes, quando na escova esbarrava, quis ele sair de lá! Aí, fui tentar corrê-lo pela mão e o lápis. Mas se agarrou em algum tendão do dedo, do grafite teve medo, não queria, num drama pra não perder o sossego, não queria, como a dizer que o mundo tem seu preço, não queria, não queria ser expresso.

Não soube o que fazer, e fui viver meu dia. O poema agarrado comigo ia, e assustadiço, se jogava onde eu estivesse. Quando caminhava, lá deslizava ele, rebelde como um coelho, pruma das minhas pernas prender-se na coxa, calcanhar ou joelho. Quando eu parava, o maldito segurava bem juntos os músculos dos meus ombros, pescoço, ou então ia a dar-me nas costas cutucadas. Vez que outra, maluco, me anuviava a visão, ou tapava meus ouvidos, e me deixava perdido no meio da rua, trapalhão, caduco, quase a soltar gemidos.

Seus pontos preferidos eram minha garganta - onde agarrava minhas cordas vocais e com isso o meu falar prendia -, meu peito - que ele dava jeito de esvaziar, e na minha ansiedade insistia - ou minha barriga, onde sentava no meu estômago ou andava feito formiga, e ficava me dando calafrios com seu respirar gelado dando rodopios.

Mas como o poema foi ficando, acabei me acostumando e esquecendo - suportar é uma marca triste dos seres humanos, mesmo os mais ermos. O poema lá ficava, bem grudado, e eu, transviado sem saber, de nada estranho me apercebia, e não contava com a folia pra tentar dele dar conta: o poema se espalhava pela minha pele e, como onda que a rocha vence, não tinha toque que me vinha animar, a ela arrepiar, a fazê-lo acabar com esse suspense.

O poema indigesto de nada queria saber. Mas não era maldoso não, coitadinho... Era como um menininho olhando pela janela pra montanha onde o sol batia. Sonhava o poema poeta, fazendo rimas que não chegava a dar reta, e esperando um terremoto que fizesse das suas próprias paredes poeira - ou um dragão que, ameaçando família inteira, o fizesse sair pra luta. No mais, esperava a visão da princesa no castelo encantado de altos muros, e aí contava com sua força imensa para quebrá-los ou, se muito duros, a eles escalar - e morria de medo que seus músculos de poema não dessem conta da tarefa justamente quando ao descortinar a janela a princesa estivesse.

Depois de muito tempo e muito sonho, acho que o poema dormiu. Só andava por mim sonâmbulo - como a areia que o Homem dos Sonhos assopra em nossos olhos quando os fechar ele não viu. Ou como ferrugem em alguma articulação. Eu já há muito não lembrava dele, e tentava sair voando com outros poemas, mas poucos, com meu novo peso de poema preso, me tiravam do chão.

Acho que foi sorte ter ido mexer justamente onde o poema estava - mesmo que ele tapasse meus olhos com lentes coloridas, e ficasse o tempo todo jogando flores na minha cabeça encolhida. Foi preciso apenas um abraço - e ainda um tão esperado que, insuspeito, saiu torto! - pra que o poema-bicho-preguiça explodisse, num assopro, em mil pedacinhos. E de tão brusco que destravou do meu corpo, me deixou como que sozinho, inquieto, sem jeito de ser.

O poema vôou, virou mais que poesia feita. Perdeu seu jeito coeso de se prender a mim e virou o que sempre fora - rara força, intesidade a espreita. Só que tinha se tornado - o quê? ferramenta? agulha? saco de pedras? invisível fantasia? Não importa... Tinha se tornado coisa a pedir explicação, peão da própria vontade de se assegurar desse mundo vasto que possível não parecia.

Os pedacinhos do poema viraram poeira, ar pra respirar, energia. Se espalharam por cá, como magia, em todo lugar e em lugar nenhum. O meu corpo ainda o absorve, devagarinho, e o processo vai se entendendo: percebendo que o poema, com seu medo, peso e esquema, não era nada mais do que eu mesmo.

E aí descubro, como uma ciência de colorir mundo, que não quero mais ser poema. Nem pra ter palavra bonita, como a tentar ter vida e sentimento e justamente da vida e do sentimento estar a revelia. Não, não dá. Eu já soube uma vez, um dia: acho que desde sempre, mas a lição tomou corpo quando um outro abraço fez-se presente; um bem dado, de antes do poema nascer - abraço de abrir, de deixar-se ir, virar mundo noite e dia.

Não... não quero ser poema. Já soube uma vez: quero... é ser poesia...

10 de setembro de 2006

A utilidade das palavras

o poema
sai com a gente
sem que esquente
a utilidade
do jeito inerte
da pessoa
em febre
de corpo
em dono
de si


o poema não tá nem aí

6 de setembro de 2006

Efemerênscia

com Carlos Augusto Piccinini (o Guto!)

Toma conta de mim
Que te faço breve
Escasso. Todo aqui
Aberto em cada esquina
Dor de cabeça
Aspirina
e deu...
Aquele abraço profundo
que dura só um segundo
de seqüência?
Ai... não sei
Me limpa de abraço
de carinho, afago
beijo no sovaco
e deu

4 de setembro de 2006

Seu José

Em seu cheiro
um corpo estranho
a caminhar comigo
Meu bisavô
usa o blusão que uso
e me veste
em sua passagem
Ativo presença, Biso,
que se tu te foi
do teu jeito
fica no meu
teu cheiro, teu chapéu
e um algo mais
Aproveita
tu sempre te encarceirou tanto
não agonize
ao caminhar comigo
com gesto e gosto difererentes

3 de setembro de 2006

Retrato

Que aqui me assombre
no silêncio sonoro
de alguma solidão acompanhada

Nossa! me perco
d´onde vens
Tristeza melaconcólica
ou outra coisa assim
(e chega de colocar
"não sei" no poema)

Sofro
dum abraço bem dado
que ficou em outro lugar
e de lá me puxa
num daqui que pouco
basta

Minha disponibilidade
me assusta
e não sei mais
(aí ele está)
como
me
ir

31 de agosto de 2006

Lado de dentro

Meu sangue anda grosso. De levado pele adentro, as veias carregam muito. Pesado um pouco, sono.

Tem um deserto dentro de mim. Tento enxergar: poeira alta de tempestades dançando por todo lado. Medito o que dá. Espero a chance de correr deserto dentro-fora, bater areia com os pés e fazer chover cheiro de terra molhada; virar vento e voar liberto, de um rápido sereno: gargalhada.

Tento enxergar. Fecho os olhos. Tudo um bom; tenho dormido sempre cansado.

Não entendo direito a tristeza que às vezes bate.

Suspiro de vontade.

Espero a chance.

30 de agosto de 2006

eu corpo

Meu corpo responde inédito
eu corpo
descoberto

Procuro nascente
de movimento
e acho
enquanto me foge

Me passa
me funde
me impressa

me explode

28 de agosto de 2006

Tambores Sobre o Dique

em um feudo no Japão antigo, está para vir um dilúvio. a única solução para evitar que todos os dqiues que protegem a cidade da fúria do rio é fazer com que um deles se rompa, acalmando sua força.

o senhor do feudo hesita entre suas opções. pode ordenar que rompam o dique sul e isso significaria que todo o bairro das artes sucumbiria, junto com as escolas e as bibliotecas. ou pode ordenar que seja o dique norte o destruído, e então o rio levaria todos os prédios que alimentam economicamente o feudo, construídos com a madeira das árvores cuja derrubada desenfreada causam o dilúvio.

há uma alternativa: abrir uma fenda nos diques que protegem os campos. mas o senhor feudal não quer ser lembrado pela história como o Senhor Kyu, que muitas décadas antes fez justamente isso, matando centenas de camponeses no meio da noite. os sobreviventes de então se revoltaram, atacando e destruindo a cidade...

essa é a história da peça da encenadora francesa Ariane Mnouchkine (Tambours sur la digue no original). escrita para o teatro de bonecos japonês, a montagem em questão (de 2002) traz atores interpretando os bonecos e atores como os manipuladores, criando uma linguagem simplesmente sensacional. além disso, a peça foi passada para a tela do cinema, e há um DVD que traz também o making of (se alguém encontrá-lo, por favor me avise).

me lembrei dessa história, que passou no Santander mais pro início do mês, lendo o jornal de hoje. é que semana passada estreiou em quatro episódios o documentário do Spike Lee sobre o evento do furacão Katrina em Nova Orleans. se chama When the Levees Broke. o filme, cuja tradução do título é Quando os Diques se Romperam, além de falar a respeito do racismo na escolha deliberada de não intervenção por parte do governo americano, que deixou a cidade sem água nem luz por 5 dias (e nas condições que se encontravam, a bem dizer), traz a tona uma hipótese já lançada por lá desde logo após o acontecido:

que talvez alguns dos diques tenham sido bombardeados, fazendo uma escolha por inundar as partes pobres da cidade, salvando as partes ricas.

sinistro.

24 de agosto de 2006

UmColetivoDeVida

a gente faz afeto abrir caminho.
onde o trampo, o grampo, a grana atravancam, a gente rasga.
incapturáveis!

(pro Iacã)

22 de agosto de 2006

Família

meu avô dá sustos com gritos ásperos e profundos, fala grosso, assobia, gargalha quando corre e faz absolutamente tudo o que os três pequenos mandam. virar criança é dizer pouco, encanta eles e a mim que como atrasado de horários outros.

o Sol entra pelas janelas de muito vidro, a lareira acesa empresta cheiros a casa inteira, o Guaíba está ali pra ser visto refletindo todo o frio que ainda resta ao ano - e que a gente não mede. nem pede que acabe seriamente.

come-se muito que a ordem é três refeições por uma, sobremesa incluída. fala-se alto (eu não lembrava). o café que era por minha conta tenho errado - no atraso já está pronto e fico com o segundo turno que sempre se faz necessário.

minha prima de três anos e meio diz que tem que aprender a amarrar os cadarços com meu vô porque só ele que sabe. e ele sabe. foi um pai duro de respeito e o avô mais doce que essa terra já viu. e ainda por cima é fechado de transbordar sentimentos pelos olhos cheios d´água e nem palavra a respeito que isso não deve existir não.

com todas as suas coisas, grandiosidades e pequenezas, mesquinharias e gargalhadas, e mesmo falando alto, esses aí são minha ilha e minha catapulta. se eu tivesse escolha, não os trocaria jamais!

Sinceridade

é muito bom olhar fundo nos olhos

20 de agosto de 2006

Sabadaço!

depois de papo do bom, de fácil de dizer, de muito rir, de bobalhices e tanta verdade no olho amizade:

turbulências, torvelinhos, temperaturas altas e baixas, rodopios e muita bebida.

as músicas repetiram e quem disse que eu notei?

a gente dança no aperto e não se importa quando finge que o pisão no pé não causou cara feia (foi de leve, ou costa a costas).

a gente dança.

é isso que importa.

adoro essa cidade com todas as suas pessoas!

19 de agosto de 2006

Citação de respeito


buscando
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ieve.

busca é essa guria tirando foto.

poesia em imagem. e se me sinto imagem, é assim que sinto.

status: 8e1/2%

Quinta foi uma noite de muita gente e pedaços. de desorganização em olás, de personagem, de dificuldade. de chamadas e pessagens (passagens + pesagens), de fluxos naturais na lei dos encontros, de hora perdida, hora ganha, hora atrasada. foi dia de estar em outra contagem, o mundo passar paralelo.

também foi dia de acordar mais um pouco. de desbloqueios de felicidade, sorrisos genuinos, de corpo que se aquece. de olhar o mundo novo, não o mesmo.

Quinta foi uma noite de olhos abertos incendiários.

(ontem, de abraços cobertores.)

descobri que rolar no chão ajuda a desanuviar a visão. um braço que não se dobra e mesmo assim faz de tudo fluidamente, é isso que vai me ajudar a estar nú no mundo e bem aquecido.

16 de agosto de 2006

Ando por onde andam

vejo palavras de quem está por aí e me bate uma certa irmandade de sentimentos; reconhecimento de vazios e cheiros de preenchimento, de mudanças, desvarios, devaneios.

aqui as coisas nesses dias me enchem. penso em tomar a agenda como prática, uma inédita em minha caneta e lápis. é louco, é novo, mas é bom ter coisas que me levem.

desde que leve. tento.

ontem escutei sobre a comodidade da proximidade, ou algo assim. é bom estar próximo quanto tanto se esperou. mas próximo pelo próximo...

demorei um dia pra ficar brabo com isso. falei na hora, como sempre, língua sonora. é o meu cômodo, acho. e não me encontro... é brabo.

parece que acordo. estou lento nos gestos, um jeito não me cabe, canso. de novo, ranso das minhas palavras.

ou vou morar de pernas cruzadas, Pedro em cima duma pedra, e a velha montanha um dia me abraça...

ah, até esse é um discurso velho. em que palavras sai meu espírito dançando?

preciso de música pra esse esqueleto. no Sábado, o Baiano me salvará.

(uma Ode aos despatriados!)

14 de agosto de 2006

Familiaridades

ando pela cidade e vejos rostos conhecidos. boa parte deles são pessoas que conheci no Rio. boa parte deles são rostos que a memória ou a vontade ou a fixação por uma familiaridade desenham por sobre os rostos desavisados de transeuntes incautos, cuja imagem perde tanta propriedade assim que a luz que deles vem incide sobre minha retina e toda a rede neural que dela se conecta e toda complexidade pessoal dos meus funcionamentos relaxados.

ando pela cidade e falo e escuto e sinto e penso e tudo o mais de indescrito. me assusto comigo vez que outra. expressão de fluxos que em mim tomam caminho. processo do inédito ao conhecido e demarcado, ou o contrário, eu espero e pago pra ver. quero um novo e mais, exijo, que o mesmo sorriso não comporta outros sorrires, quando o jeito de olhar está deslocado ou se faz em um deslocamento deliciosamente contínuo. about me: sou outro.

fotografo os cantos, os pontos, as curvas, os pedaços. tudo é ainda um turbilhão de tantas coisas, um sentar poeira que pede que não sejam antas coisas. fotografo num esforço bem pago, mas sei bem que um outro jeito seria também bem-vindo, agora impossível: flutuar por aí e deixar que as imagens, que os cantos, os pontos, as curvas, os pedaços, passem por mim e pela câmara, que fiquem na película ou no arquivo, e na minha pele de uma superfície de contato sempre a modificar-se, por favor.

tento. e já é bom. vai ficar melhor, corporificado. a permeabilidade da massa das minhas moléculoas, substancialidade presente, eu feito vento por mim a passar. e a cidade, um abraço.

folgo em sentir.

10 de agosto de 2006

Delícia!

Amigorama

onde eu entro às 3:00 eu encontro esses dois... eba!

será que nesse findi tem mais?

(olhem só, um post claro e pouco filosófico... é o amooooooor... hahahahahah)

Para um Sarau Erótico

Livre
da pele
sai solto
num grito
quase espanto
um sufoco
de alívio
em que se perde
se acha
e derrete
de si
um junto


gozo

No Silêncio

Jaz no silêncio
um julgamento que todos escutam
seu não proferimento
certa segurança de permanência

Jaz no silêncio
o afago que sentem nossos ossos
pelo íntimo sólido
da simples amiga companhia

Jaz no silêncio
todas as batidas da angústia
todas as solturas dos suspiros
todos os espaços das falas

Jaz no silêncio
os discursos incontidos, incautos
que só no silêncio
quando jazem as palavras
faz-se sentidos

Jazz no silêncio

Nossas almas dançam

8 de agosto de 2006

Um Novo

Esperava me encontrar aos pedaços pelos cantos, esquinas, lugares. Mas não. Se estilhaçado andava por aí, assim que o avião pousou já me atrai em todo, juntado no peito de vácuo.

A cidade não me deu tantas estranhezas quanto minha expectativa. Talvez eu ainda esteja chegando aos poucos e isso seja tudo. Ou o próprio funcionar absoluto que sai fácil, faz do meu um jeito avassalador de ser e não deixa muito buraco. Eu sentia falta de chão, por supuesto. Talvez seja isso...

Há coisas que saltaram aos olhos mesmo assim. O frio a me beijar os lábios - e então o primeiro calor do joelho pra baixo e a meia a me agarrar absurda os pés. Os táxis vermelhos. A existência das lotações. Coisas assim, quase bobas.

O tamanho do céu, o muito horizonte. As estrelas no meio das luzes das ruas. O quanto de verde, e morros pequenos ainda pelados ou cheios. Cheiros.

Achei que ia me encontrar pelos cantos. Descobri os cantos que sou eu. Vagueio por mim mesmo e me descubro novo, me refaço, me desnudo. Não sei, me acho inusitado, não me conheço. E se me caio num mesmo sorriso, quero o desfibrilamento, pra me achar de verdade no meio dos músculos de um mesmo ritmo.

Me ajuda a me criar?

Beijo

31 de julho de 2006

Entre dedos

dá pra medir imensuravelmente o rebolado da guria militar ao se dirigir para a porta do quartel.

dá pra medir também assim o carinho do guri que abre a porta e bate continência.

até mesmo o afeto respeitoso do oficial mais velho ao caminhar do lado do guri com a mão enfaixada.

sentimentos a preencherem os jeitos, os gestos, os formalismos cheios de dedos...

27 de julho de 2006

Sonhorama

um meteoro vai em direção a Terra. poucas pessoas o enxergam. o meteoro é uma estrela incandescente que vai aterrizar como se tivesse asas.

me impressiona que sonhemos. me impressiona que não haja espaço/tempo, que os mundos se intercruzem, que consigamos nos comunicar. que sonho que se sonho só seja sonho que se sonhe só e sonho que se sonhe juntos seja de relaxar o cenho.

hoje sonhei com uma aranha gigante, assustada, de pernas muito finas e mandíbulas desesperadoras, que atacava transeuntes numa noite na João Pessoa. eu estava em Porto Alegre pra algum congresso, junto com outros perdidos, e parava em uma espécie de albergue fuleiro - eu odiava. quando fui fugir da aranha - que não vinha atrás de mim, mas que era muito rápida -, subi um barranquinho e me senti fraco como só alguns sonhos sabem tratar da realidade, me senti uma criança subindo, com sua ânsia muito maior do que as pernas.

o mundo está cheio de magos. são nossos olhos as melhores bolas de cristal.

beijo!

25 de julho de 2006

Citações

"(...)

Adoro esse chafariz. Ele costuma ser lago de dragões quando está de folga ou férias o seu jato. Outro dia um menino do norte soltou botos rosados nessa água e foi uma correria. Eu acho que esses passantes ficaram com medo. Teve uma senhora turca que indignou-se e ligou para a defesa civil. Aos bombeiros, os botos insistiam em dizer que eram de água doce e não haveria problema em ficar ali. Mesmo assim foram recolhidos ao depósito municipal. Ninguém mais os viu. Uma pena.

Estou estressado esses dias e balanço minha cabeça como a um pêndulo. Como ergui meu castelo nessa praça, tenho total privacidade. Conto com criados, enfim, que fornecem dinheiro para comida; são muito discretos e quase não os vejo mais depois de despachá-los. Lidar com a criadagem não é fácil, todos sabem, por isso ando exausto.

(...)"

(Diogo Henriques - Os Botos da Candelária)


QUERENÇA

Voar, amigo pássaro,
não só é ser nuvem.
Abrigar, querido pai,
é não só doar sangue

Ou

Apenas ao quadrado

(Diogo Henriques - dihenrique@yahoo.com.br)


Aviões
e tanques de dor
esfarelam
os olhos
do Líbano

Eu resando
nos arames
do Brasil, inerte,
meio bôbo, sem entender,
ouvindo
os rádios TVs

jornais
contarem
os mortos



8

O pinheiro
e o carvalho

continuarão,
e o pássaro
da eterna ventania
inventará
seu ninho de prata
entre o fios
dos cabelos
das crianças


9


Essas
são palavras
de um nômade
que vê e revê
suas retinas
em todas
as retinas


(Edu Planchez - Olhos do Líbano - eduplanchez@yahoo.com.br - www.blakerimbaud.com.br)

24 de julho de 2006

Nada Mais (entre duas pessoas)

volto pra casa pensando ressonâncias - minhas falas andam repetidas. Cari escreveu sobre sua vontade/objetivo de rasgar a tela do computador. e eu fiz uma ode ao rasgo que já se faz, afeto que aqui está, e tudo isso que vocês sabem se me leram janela.

Dani falou que a gente estava conversando de algum jeito. olhares e outras coisas, palavras não. não dava, tava estranho pra palavras.

parar com isso, sabem? é o que me dá vontade. vez que outra e de novo em vez. deixar as palavras pra lá, ficar com os olhares e vibrações, comunicação com os corações, tele-empatia, nada mais que isso, como eu queria...

hoje a moça do filme disse entre duas pessoas, não há nada mais do que luz.

22 de julho de 2006

Época de Eleições

Cês lembram da banda The Presidentes of The U.S.A.? Olhem só:

Moving to the Country,
gonna eat a lot of speeches...

Million of speeches,
speeches for me...

Sem mais...

Duração

Tem tanto
nesse pouco!
É num amplo
sem quando
que ando

fasado II

participo
piedosamente explico
um ruido
ganido em palavra
sombra de grito
procura de chão
afirmação

olho pro tempo e suspiro
pergunto
onde oculto
um intenso
de indescrito
um dizer
de meio
de entre
de afeto

rancor de lugar
quando se sabe caminhar
é besteira
quê de patético

o gosto
é estético
mas vai além
sei dum fluir
assim
ressonância
que me deixa
em falta
em alma

suspiro
penso
rancor de lugar
o bom é saber-se
em devir
deixar pra lá
os deveria

que o passo
retumbe
pra além
da sola
do pó

Que Tanto Diz (Fasado)

não basta que o diga
me pego explicando
poesia descrita
pra te dizer
ao me ler
basta

parece que perdi de mim um quê de indizível
não
parece sim que peço socorro
saio afirmando
bem alto
neurótico
preciso de chão

não basta
era lindo aquele dizer outro
que não tinha palavra pra fechar
que dizia voando
que gritava gemendo
no suor
que fazia
esfriar mente
melancolia
que ex-plodia
poesia
de descorporificação

não basta
assim não quero
não me dê
poesia que tanto diz
muito tempo
mais

21 de julho de 2006

afeto.com.tu

encontro
em cor em imagem
em palavra paisagem
personalidade
a paragem que vira esse computador
ao fazer da tela
janela
dela
poesia

sou suspeito
não é pouco que faço
de um jeito ou de outro
por aqui passar
afeto de fato
e tanto a me afetar
que por vezes quase explodo
e vivo num alívio

o é
de tanto que salva
quando a saudade
dita ou inexplicada
de gente, de coisa, de nada
me invade

mesmo assim me pego
amplamente surpreso
vejo
ali
de um outro jeito
me toma
e me
tem
nem sei se só por esse momento
nem sei se por alento
ou o quê
mas ali
palavra
imagem
cor
tudo feito
barcos
de sabor
a me inundar

transbordo
e tem nome
tem olhos
tem rosto

o gosto
é de café
ou qualquer coisa que
eu ponha na boca
daqui
o cheiro
é meu também
mas o calor
no corpo
não tem lugar
nem tempo

é nosso

19 de julho de 2006

Máscaras

Ontem meu irmão e a namorada chegaram no Rio. Batemos um papo inédito e eu pude perceber claramente quando passei da afetação genuina que ia e vinha prum segundo momento perdido em explicações.

Saimos pra jantar e de repente eu olho pro rosto dele. Olho pro rosto dele de verdade. De repente tô observando sua pele, o formato do seu rosto, de repente eu tô olhando o homem que ele já e o homem que ele vai ser e tudo de garoto que ele ainda tem e um pouco do que ele já foi também. De repente eu tô olhando pro meu irmão de verdade, tô olhando pra ele e não pra idéia alguma que faço dele, tô olhando pra pessoa na minha frente que por acaso ou não é meu irmão, e não pra nada mais além disso.

Sai caminhando uns metros incontáveis do chão.

Dharma

1 - Medite todo dia.

2 - Comece a observar seus automatismos. Faça disso uma tarefa jovial. A jovialidade é uma técnica importante para se proteger contra as defesas dos automatismos, contra a insegurança, angústia e ansiedade.

3 - Comece com calma a limpar seus automatismos.

4 - Comece a se afastar energéticamente dos seus automatismos. Não se permita entregar toda sua energia a eles. Perceba, e perceba que percebe - uma atenção expandida em "duas percepções". Quando a angústia for muito grande, medite.

5 - Comece a perceber seu teatro mental, o teatro das representações alimentado pelo diálogo interno. Desassocie Razão de Consciência; utilize a Razão como ferramenta, mas não se entregue a ela ou incorra no erro de funcionar como se fosse ela a definir o mundo, pois a Razão muito prende, e é um artefato do teatro mental, é potencializadora do diálogo interno. Expanda sua Consciência (nada mais do que aquilo de que você é consciente) para além da Razão - comece a lidar conscientemente com sensações e indescrições. Pode, se quiser, definir maneiras de explicar certas coisas que ajudem a acalmar sua Razão para essa tarefa pra além dela: acreditar em Destino, ou no Acaso, por exemplo.

6 - Limpe seu teatro mental. Descole o teatro mental da vida, perceba que vida não é igual ao teatro das representações feito por você. Perceba que o mundo é apreendido por você pelo seu diálogo interno, mas que há muito o que escapa a isso. Perceba o vivo nisso, que tem o poder de constranger seus automatismos, que faz com que você se defenda; mas que é possível abrir-se ao vivo e libertar-se um pouco mais de si mesmo. Um passo de cada vez, devagar; klinamen: o mínimo desvio.

7 - Em todo o Caminho, dê uma medida desapegada ao erro. Não tome o Caminho moralmente. Não se leve tão a sério. Não ceda toda sua energia em uma entrega, nem se entregue a nenhum controle. Não ceda toda sua energia ao erro, ria dele e se conserve. Procure a impecabilidade da sua energia, a precisão simples de cada ato, percepção, representação, deslocamento. Não se encha se pessoalidades, não tome as coisas para si - muito menos tomando para si enquanto aponta para os outros. Toda aprendizagem é extritamente íntima, pouco podemos fazer uns pelos outros a não ser apontar e deixar que o outro faça por si mesmo.

8 - Medite. É a única maneira que conheço de deixar que as coisas se encaixem dentro de si, que se vibre para além dos automatismos, acalmando a angústia de um Eu que podemos deixar passar, por não mais nos localizarmos inteiros dentro desse Eu - podemos tanto ser Muitos, usando de vários Eus, quanto ser com segurança um Eu só sem entregar-se totalmente a ele - um automatismo, um funcionamento, interpreta o mundo inteiro só por meio do próprio automarismo, e aí o mundo torna-se isso e perdemos tudo o mais que nos afeta.

18 de julho de 2006

Ai, ai...

Ineditamente na praia: biquini preto-e-branco listrado moderninho, pele suspeitamente branca, cabelo penteado preto, lenço preto no pescoço, violão. Quando a sombra vem, não se mexem.

Na voz da Mari Baldi, solta o pancadão:

ê, ê, ê, sou mais indie que você,
ê, ê, ê, sou o king dos blasé!

Nunca pensei que poderia sentir saudades dos mods...

Infinito

para Felipe Bücker


O olho perdido
encostado na mesa
vê longe
e vê nada
Brilha de lágrima
que lubrifica
quase não pisca
e as vezes quase se fecha
Tem um pensamento
indefinido
girando sereno
feito sentimento
indefinido
feito pessoa
indefinidamente
localizada

O Tempo (reedição)

o tempo
o vento assopra
nos cabelos
a desmanchar
nós, tranças

no resto do corpo
os outros pêlos
também querendo um pouco
se esticam
a tentar
saltar
da pele


"o melhor o tempo esconde longe, muito longe, mas bem dentro aqui..."
(Trilhos Urbanos, Caetano Veloso)

17 de julho de 2006

Sem jeito no corpo

Fico com saudades do meu silêncio e enrouqueço. Enlouqueço só um pouco. Perco o passo de precisar afirmar a pegada, que furada! Mas me dou conta do tropeço e o que de melhor há de se fazer, faço: rio.

12 de julho de 2006

Alianças

Se eu fosse amigo do chefe do PCC, teria que lhe dizer por que diabos matar agentes penitenciários, meu velho? que são justamente eles ali, dividindo situações e celas abertas ou fechadas. Ao invés disso, faça o seguinte: protege os agentes e a situação nas prisões estará assegurada. E se for retaliação ou amostragem de poder, ameaça um só político, e já era.

Cada vez mais me bate a sensação que do jeito que tá não faz sentido.

8 de julho de 2006

Amigo

pro Guto por mais do que honra, e genuinamente pra cada um de vocês que o calor me assombra - se tu te sentir aquecido por mim, lê isso sendo pra ti, sem medo e de verdade:

Não é, meu irmão,
de palavras que lembro não
que minha memória
é avessa às formas
retas
próximas
quadradas
O calor, afinal
faz curvas
nos rodeia sem provas
fica entre os laços
Como teu abraço que não esqueço não
É por aí
um abraço
escrever contigo
um traço de linha
palavra sozinha
ou acompanhada
Ou idéia marcada
em ata, ato, relógio
É isso, companheiro
que vem sereno na memória
e incendeia amizade
simpatia
coragem
esse amor que a gente tem
e do qual não abre mão não importa o quinhão que se pague
Sabe?
Sei que sabe...
És o mais lindo
por brilhar esse olhar
que a descrição não alcança
e a memória não apaga
É lindo
por vibrar esse carinho
que nos pega de mansinho
mesmo quando não estamos atentos
- e quando de repente andamos sem alento
é que o percebemos -
És lindo, amigo
porque é
e assim
sempre vai indo
a me levar
contigo

7 de julho de 2006

Quinta

- Oi.
- Grrrr... oi...
- Hahahahahahahaha!
- Que coisa, eu não consigo!...
- Bla, bla, bla...
- Bla, bla, bla...
- Que bom!
- É...
...
- Oi...
- Oi...
- Mmmmh...
- Ahn... heh...
- Viu?
- Vi...
- E aí?
- Seria um tempo...
- É. Seria um tempo...

5 de julho de 2006

Por um olho e um nariz

Se ensaia um tersol e uma espinha dentro da narina. Tudo no lado esquerdo do meu rosto. Será que eu ando percebendo mal alguma coisa?

Alguém tem alguma dica, interpretação esotérica?

Beijos!

Última

Dormi sobre
o violão de
um som pequeno
A última corda
vibrou dentro do peito
direto pro sono
Foi ela que me
levou ao banheiro
e depois
do pijama,
pra cama

Noite

Solava
um soneto belo
como quem
penteia a contrapêlo
atrás de apreciar
as minúcias
da pele

As máscaras de luz
me saudavam
e eu
sem som nem água
quieto soluçava

Um soluço interno
morno
feito um sorriso

4 de julho de 2006

Intensa Mansidão (Natureza)

Me falaram
dos extremos
e de como
nos levam
excitados

Concordo
e não deixo
nem um momento
de ser levado
pleno
pela efervescência
grandiosa
de uma brisa
na beira do cânion
que me traz comigo

3 de julho de 2006

Num levado

Num baque pairo num duplo. O mundo me afeta em dois pólos: um que me possui, no qual fico completamente entregue; e outro que, observador indiferente, ri.

Ao todo, chega a ser constrangedor o quanto o duplo de minha percepção não impede que tudo de lá doa e aqueça e eu peça sempre mais ou pernas bambas caiam num resvalo ou corrida insandecida ou mansa. Mesmo assim até há pouco a força da experiência de ter também um corpo outro, corpo oco, em um nível de absurdas possibilidades ainda não alcançadas, mesmo assim isso me ria e me segurava inerte, seguro de mim sem eu, seguro do destino pra além das coisas.

Foi preciso muito pouco, muito menos do que eu esperava, pra estar de novo preso à experiência das coisas - entregue como um filho da mãe. Me pegou surpreso e atônito e novamente não sei o que fazer comigo mesmo. Foi preciso um muito de ocasião e aí já era.

Só um calor indescritível por debaixo dos panos...

2 de julho de 2006

Pende

Sei
de susto
um súbito
sabor
que sábio
rege
meu corpo

Como a dor
do pássaro
que do galho
muito cedo
voa

No ar,
despenca e
sobe
a misturar,
no medo,
a excitação plena
da conquista
sôfrega

26 de junho de 2006

Pra ser ouvido

(pra ler ouvindo Maria Augusta, e já vota lá que é foda aqui, ah, se é!)

A chuva me pegou de bicicleta dano volta na Lagoa. Corri pra tia, casa vazia, sem pia pra limpar. Peguei um licôr pra tomar e logo fiz café com leite, canela, Kalúha e cardamomo (que não rima).

Aqui a chuva bate tambor nas folhas grandes das árvores, e minha tia as chama de amplificadores. As pessoas boas fazem de suas casas corações, paredes e chão com gosto de almofada, luzes quaisquer com cara de velas, cheiro de terra molhada e lareira sem fumaça.

Hoje senti da batalha da vida, entre pessoas, e Odisséias de comportamentos, tudo pra dar a volta e chegar lá dentro e estar na boa. Não é a toa... pra ser esse aqui, EoUtramente, tenho que fazer magia.

Não é piada, é brincadeira muito séria, mas vale mil gargalhadas; quando a gente ri, suspira ou boceja, a garganta abre e o peito também.

A tranqüilidade vale um grito e dois silêncios; deixa o vento escutar. É bom ter serenos ouvidos atentos, que quando vem um som lá de dentro, é com a gente mesmo; a arte da vida é deixar-se levar em toda hora certa, e saber esperar no resto, e saber procurar, direcionar o olhar entre tudo e cada ponto. A precisão vale um beijo!

Somos todos, cada um, solitários a espera dos momentos, juntos, é claro, que encontramos corações que retumbam, mas o mundo e só nosso mesmo, e é na gente que os sons vão tocar fundo. Somos todos e cada um membranas pelas quais a vida passa, e a gente pega o que nos aprouver. Somos todos Apanhadores Sós.

Não é a toa que os amo!

Beijo!

25 de junho de 2006

About Me 2

sou um messiânico incompreendido; e um grande bobalhão.

About Me 1

euscorro de mimesmado
meio louco, meio pirado
travo um pouco
mas com a sorte do meu lado
acabo por sair
num rebolado
desvairado
mesmo que
um tanto
desengonçado...

24 de junho de 2006

Bons Humores

Praia.

Gritos e risadas da roda de futebol-de-um-toque quando a bola escapa e sou eu andado na beirada a dar a levantada.

Uma dupla de frescobolistas, cada raquetada um grito de "iá!".

A filha braço esticado mão na mão com a mãe pé no chão toda força do corpo a puxar pra dentro do mar nem um centímetro muito sorriso.

O cheiro, no beijo, de tudo o mais.

22 de junho de 2006

CLASSIFICATUALIZANDO

Pra roubar a idéia da Lica...

Aluga-se Quarto em Apartamento mobiliado, silencioso, Copacana, quase Arpoador...

20 de junho de 2006

Casa?

Passei quase uma semana na Cidade da Garoa sem guarda-chuvas. Não precisei: fez Sol todos os dias menos um, enquanto no Rio as águas caiam.

Me senti em casa por lá. Fui acolhido pela Alessandra, coração de pernas, canceriana intensa com muita suavidade, irmã de espírito. E encontrei pessoas que pulavam muito e pessoas que brilhavam muito - normalmente pelos olhos.

Como é freqüente, voltei diferente. Prum Rio de Janeiro estranho. Não sei se é o mesmo onde estive esses últimos meses. Será que é só o Rio que muda quando passa por debaixo da ponte, ou a ponte também sofre de tempo? Eu sou só um grau nessa praia, mas um que tem pulado e brilhado assim também.

É bom estar de volta. Mas não necessariamente aqui nessa cidade. É bom estar de volta em mim, dentro do peito, com ou sem jeito e muito amor pra dar.

Piegas, eu sei. Mas é esse corpo que sou eu a grande casa que tenho. E muito mais, lugares, territórios, esses amigos que são lá de dentro e são a gente também e é isso mesmo. Saudades. De tudo e de todos.

Casa eu não sei. Ou compra uma bicicleta? Ambos pra girar por aí. Não sei onde vou porque todos os mesmos lugares são novos; não quero as mesmas pontes, mesmas praias. O mesmo, de novo, novo no repetido e por aí em frente. Vai ser tudo novidade, sempre, e é essa vida que quero viver daqui por diante.

Por isso não sei pra onde vou, não exatamente. Mas sei o caminho (o que tem coração, sim); e sei o que quero.

Já é muito. E muito feliz.

Beijo!

18 de junho de 2006

---A quem me queima
e, queimando, reina,
---valha esta teima.
Um dia, melhor me queira.

Paulo Leminski

Bolão!

Quanto foi a contagem de cigarros fumados no intervalo do jogo?

Os gritos no mundo inteiro anunciam a proeza do melhor futebol do mundo: "mas que timinho mais quase"...

E nenhum alívio (quase orgásmico) como o segundo gol... Quem não gostou foi minha companheira de partida: a Pagu tem medo de fogos de artifício...

(Quem diria, hein?, eu comentando futebol...)

Caio um conto

...falava do mais fundo, desse que exise em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei por que todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor, pensei sim, não, pensar propriamente não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além de nossas mãos dadas, nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você save que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, de não sentir medo desse mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos conta, é por isso que estou tão rouco assim...

(Caio Fernando Abreu, Para uma avenca partindo, Fragmentos)

17 de junho de 2006

Agora

meus caminhos estão aparecendo. me arrisco a dizer que estão aí, definidos; como pra onde o Rio corre. falta fazer as decisões, que a gente, com razão e coisas-do-mundo, sempre corre atrás...

viver é como seguir a corrente, de cima de uma canoa, dando remadas vez que outra, e às vezes necessaria-desesperadamente. (às vezes também tentamos remar a contra-fluxo). quando a correnteza acalma, ou quando estamos impetuosos, dá pra pular no rio e ir por debaixo d´água. o afogamento é sempre um risco, mesmo quando estamos em cima do pedaço de madeira, que no final é pouca coisa, não é?

quando a gente morre, vira rio. é mesmice de fala, mas pra sempre, a delícia é morrer muitas vezes: uma morte pra cada vida, ou mais. que a vida transborde!

Reflexos de Conversas Partidas

eu finjo bem, mas não adianta achar que tenho moral pra dizer algo para alguém;

para além das palavras, olhares...

(uma sagitariana me mostrou esse ensinamento; a gente sempre se lembra quando aprende o que é mais verdadeiro...)

todo aprendizado que valha a pena é extritamente pessoal. nesse sentido, temos pouco a ajudar uns aos outros. toda ajuda é um empurrão para o que se moverá dentro de alguém. nada de assistencialismos; considerar que outra pessoa precisa de uma mão quando não é dela mesma que vem essa necessidade só causa confusões. acabamos fazendo algo por alguém, e isso não é nada bom; é como roubar uma bela oportunidade de aprendizado do outro. se aprendemos algo de outra pessoa, deixamos ela presa a nós mesmos.

tudo isso é Castañeda, e como o que há lá nos livros dele, e a gente dia-a-dia, bem aqui, no meio da folia ou nas caras fechadas de Segunda-feira. põe em xeque um certo altruísmo tirânico, bem ocidental, bem meu também. um pouco significa: deixe as pessoas em paz para serem o que são.

que, assim como todo aprendizado é pessoal, os jeitos não são pessoais. não são de alguém para alguém, no que há de mais essencial a essas pessoas - seu próprio fluxo de rio. é só um jeito de ser, porque a gente não sabe ser diferente, ou simplesmente porque temos que ter alguma expressão se quisermos estar no mundo. tomar essas coisas como algo profundo é um erro que nos faz ter rancores, raivas e tristezas demasiadamente inúteis. esse jeito não é para ti; não o tome assim. não deixe que fale para ti, que te conduza, que prenda tua energia e te deixe indisponível para estar livre, solta. me entende? não se leve tão a sério, e não leve mais ninguém tão a sério assim...

(esse post é como uma colagem de pensamentos recentes. reflete muitas boas conversas. agradeço de coração as pessoas que me fazem expressar profundezas de mim mesmo, e as que me fazem mudar desde dentro e soltar aos poucos o de fora, ou torná-lo mais leve, no que é possível; e agradeço aquelas pessoas de olhos brilhantes meio loucos mas muito sãos que conseguem ver pra além dos jeitos e gestos e deixam a gente solto, quem está aí pra ti, enquanto os caminhos forem os mesmos, não importanto as contingências...)

16 de junho de 2006

Presente

Quero um CD da Adriana Partimpim! E um monte de crianças pra ouvir ele comigo!

Tem criança na platéia?

Ah!

15 de junho de 2006

The Day After

curto muito a ressaca do outro dia (ia dizer que "gosto", mas não é bem a palavra). gosto tudo o que não envolve uma tortura, quando bate a dor de cabeça ou quando ataca o estômago.

a ressaca é marca de que algo aconteceu. é por isso que gosto dela.

13 de junho de 2006

Gravitando, gravitacionando, gravidando

Enlouqueci! Tudo gira! Não sei aonde a gravidade vai parar, mas dançar é uma delícia. E tô dançando por aí.

É a verdade das coisas, não existem coisas, só forças. A gravidade não é só uma que puxa para baixo, mas que se localiza nas pessoas e nos lugares. Em outras palavras, deixa a vida me levar.

Hey, Artur, que tal um Manifesto assim para o MoConLeiGra?

paporaí

laura diz:
como esta porai?nessa cidade linda

Pedro Lunaris diz:
tudo bem, a cidade fica mais bonita quando eu estou melhor comigo e com o mundo-migo (que não é umbigo, é seu contrário).

laura diz:
a ficar bem com o mundo-migo é a consequencia

laura diz:
dizem os livros de auto ajuda

laura diz:
ou nao

laura diz:
hahaha

Pedro Lunaris diz:
não é. a fundação de tudo.

Pedro Lunaris diz:
e é. consequencia também.

Pedro Lunaris diz:
as melhores coisas acontecem ao mesmo tempo e são paradoxos auto-engendrados. afetar e ser afetado.

Pedro Lunaris diz:
a vida é uma via de mão dupla que não é linha nenhuma; é um emaranhado.

laura diz:
mil encruzilhadas

laura diz:
nao,mil é pouco

12 de junho de 2006

Ontem uma menina linda pulava toda molhada o final das ondas do mar com todos os seus nove anos de idade e de braços pra frente contra o corpo e mãos dadas a si mesma que já se ia o Sol e fazia um certo frio pro Rio e pra alguém que pinga. E eu caminhava na areia. Aí ela virou pra mim com todos os seus dois olhos castanhos e me perguntou doce e sinceramente Sabe me dizer se tem tubarões por aqui? e eu, profundamente tocado, respondi com um sorriso muito sério e realmente Não, não tem não e ela me disse Muito obrigada!.

Me apaixonei. Espero que ela leve seus nove anos pra sempre!

9 de junho de 2006

Esperar, Meditar, Pensar

É impressionante como consegui internalizar e reproduzir alucinatoriamente o som de mensagem do meu celular. A espera do inusitado imaginado ou não imaginado faz a gente bem estranho. E a espera é oposta ao acontecimento, completamente, como já me ensinou a muito tempo a Gi. É como se, imaginando, a gente já vivesse e não precisasse mais; como se a energia se gastasse. Nada impecável.

Aprendi a meditar. Uma nova amiga muito querida me ensinou uma palavra mágica. O começo foi mais fácil, acho que a surpresa da prática pegou meu racional direitinho, agora já está mais difícil de novo e eu sinto uma angústia desconfortável às vezes. Acho que é meu Eu agonizando. Das melhores vezes senti a palavra-mantra como uma chave pra rasgar o véu que me rodeia. É lindo e seguirei tentando. Quem sabe eu volto voando pra Porto Alegre, ou então medito contemplando um rio e deixo ele me levar.

Aliás, que saudades de contemplar! Ando precisando de natureza me abraçando de tudo quanto é lado. E ficar lá escutando o que as coisas dizem.

Mas estou mais tranquilo. Aprendendo a aceitar o Destino. Tô conseguindo pensar assim, no Destino, e é bonito, porque não vem de uma forma tão determinista quanto aquilo de já está tudo definido não. Não sei explicar... É como abraçar e deixar-se levar menos queixosamente pelos acontecimentos...

Ainda tô aprendendo a ser humano. Depois vou ver se aprendo a ser outra coisa. Ou talvez esses aprendizados aconteçam ao mesmo tempo. Heheheheh...

E a saudade é dor pungente, morena.

Beijo!

PS: O título se refere ao que um Samana sabe fazer, de acordo com Sidarta, do Herman Hesse. Leia que vale a pena!

7 de junho de 2006

Conquista

A escolha, amor
de uma saia justa
que mostre teus belos joelhos
e componha desde teu jogo de coxas
os seios
brandos
através discreto
do decote
irresistível
É a escolha, amor
- pra além da saia,
das coxas -
essa escolha pela saia justa
que se exprime no teu rosto
sem igual
no teu olhar de silenciar
o Carnaval em uma ola
de queixos caídos
A escolha
não a saia
que me leva pra cama
e me espalha

6 de junho de 2006

Sábado

Da multidão de uma promessa
de festa
fiquei em casa solitário
mesmo que acompanhado
pensando na cachaça doutro dia
no vinho da galadeira
enquanto tomava cerveja
com um único cigarro
a noite inteira

Me vi lendo
e não sei se me abria
ou o quê
até que fui parar em voz alta

A poesia me faz companhia
Gosto mais de mim
quando escrevo

5 de junho de 2006

Das minhas primeiras palavras, e as de sempre

Demorei-me a iniciar no campo da fala. Minha mãe conta que o elevador lotava de simpatias dos vizinhos a solucionar o problema. Enquanto a família apressava o alcanço de cada objeto que caía sob meus olhares (e me disseram, de dentro dum azul-brilhante sem igual, que eles dizem muito - gostei): primeiro filho, primeiro neto, primeiro sobrinho, bisneto, sobrinho-neto, primeiro entre tantos de uma geração anterior: pareci primo de minhas tias, e pareço tio do meu primo.

Domingo da semana passada um desses bêbados eloqüentes que assolam os bares do Rio de Janeiro falou sobre a preocupação que minha testa teima em anunciar (esse era um bêbado sensível e metido a vidente). Você é novo demais pra tanta preocupação. Isso não tem idade, mas ele tem razão. Escolhi pais novos para ser velho. Bem coisa de criança - e mimada.

Quando finalmente falei, saiu um polido primeiro discurso. A polidez e os discursos vem comigo desde então - às vezes sou bom com as palavras, às vezes elas não me deixam em paz. Ela me disse que tenho sangue azul. Sei que falo pra dentro.

Quando ressôo, saio imponente. Já deram a entender que carrego certa brutalidade. É verdade, mas o bruto é dissonante por excelência. Quando ressôo, é pro fundo de alguém. E os corações falam por batidas.

2 de junho de 2006

Não cabe nessa vida morrer de sede no meio do oceano. Desidratado parece por demais com destratado.

Amorceano

Ficamos como mar
a jogar barco pra lá
e pra cá
num teatro mesquinho
e improvável
de naufrágio
A importância aparente
era fazer do casco peixe
e mesmo que inevitável
sinto que perdemos o gozo
dos ventos
gaivotas
serenos
sereias
núvens
até o gozo das ondas

Nos restou o bote salva-vidas
a bóia
e ainda uma luta de diferenças
de superfícies
de navegabilidade e sobrevivência
Uma luta sem eira nem beira

Quando saimos pra feira
notamos que o mar tinha virado
piscina

27 de maio de 2006

Tirada

Virei do avesso muitas vezes esse ano até estar aprendendo que o lado de lá é o mesmo do de cá. Fico meio Fita de Möebius e bem mais tranquilo.

Ontem, a carta do Tarot foi a Roda da Fortuna. Gira, gira, estrelinha... Ah! era "brilha"?

Shine on your crazy diamond, Syd. Wish you were here.

E eu estou. Bem aqui.

Foda.

Beijo!




26 de maio de 2006

O primeiro dia

Hoje completam-se duas voltas nas casas do horóscopo pra mim. (Se bem que veio um amigo-mago-hermético-das-ondas-do-dia-a-dia me dizer que o horóscopo meio que excluiu uma 13ª casa.) Dizem que são ciclos que se fecham, mudanças que se anunciam, novas eras a se iniciarem. Bem que eu tô precisando... Já é hora de virar definitivamente essa vida e achar aquele mesmo brilho de uma forma diferente.

Hoje foram 24 primeiros dias da minha vida. E acho que eu não vou ter saco de ficar dizendo 23+1 pra minha idade por causa do diabo do jogo do bicho. Não... Vamos de veado mesmo, e ver se ele sobe a montanha.

Beijo!

24 de maio de 2006

Bela perspectiva

Macacos me mordam!

Inverno

A diferença entre Inverno e Verão no Rio é que no Inverno usamos calças a noite e, de vez em quando, um moletom ou casaquinho.

Quando chove, no entanto, é muito pior.

No Rio chove muito. E às vezes chove pra caramba. A cidade inunda e muitas vezes pessoas morrem.

Em Fevereiro morreram 6 afogados no estacionamento de um shopping center.

Dá pra crer?

A cidade não tem estrutura nenhuma pra suportar a chuva, muito menos as chuvas que rolam por aqui. E eu fico pensando... quem veio antes? Os prédios e a urbanização ou a chuva? Porque do despreparo disso tudo até parece que a chuva é um fenômeno recente no comportamento do planeta, algo de umas duas semanas ou meses, mais ou menos...

19 de maio de 2006

Passei muito tempo com gostos exclusivos pelo frio. O calor me desagradava em muito. Tempo de uma adolescência que negava toda a empolgação da família com praia e Verão.

Lembro do que a Fá me disse sobre o Vítor Ramil e sua Estética do Frio.

Fazem alguns anos que fiz as pazes com o calor. Com o calor e com meu corpo. O Sol passou a ter uma importância ímpar e eu estava bem.

Lembro do Henrique, que me ensinou muito sobre esse estar bem.

Mas agora, aqui no Rio, o frio (o que eles chamam de frio) chega e as pessoas ficam mais tranqüilas. O carioca é muito espalhafatoso. Nesse Outono, as pessoas ficam mais calmas, passam a andar mais devagar, a gritar um pouco menos. E eu vibro desse jeito, como se não tivesse que me defender tanto. E me lembro de casa.

Ah! As pessoas de Porto Alegre! As saudades são tantas que dá vontade de rasgar a realidade...

9 de maio de 2006

Diz graça

Um lábio
ligeiro!
Ladeio
emoção
em pasta
Degraça
nem biscoito:
bolacha

Ela sonega a ligação
e eu despero
desesepero
digo que ela tentou
e não foi
nego
depois, invento
Não tem voz
solto
suspiro
me deixo
Fico vago
não tem jeito
nem trago
me afogo
me apago
Fantasio de desilusionar
desimesmo-me
emmimmesmado

Assobio

Eu lembro dela.
Saindo do mar.
Vindo fazer carinho nas minhas costas.
Rindo, sorrindo, gargalhando, patifando.
Agora, eu lembro dela agora.
E nada disso aconteceu.
Ela nem existe.
Existe?
Não faz sentido.

Basta

Em busca
da sepultura
perfeita
o corpo
pede um pouco
de autenticidade
pra morrer
de vida

Bosta.

Melange

Mascara, masca, maca.
Mendiga, marca, megera.
Mistura, mentira, milonga.
Mais.

Clínico

A garganta recusa o cigarro que estar consumindo algo pede. Não teve tanto de nada, mas pedi tempo igual. Desintoxicação de Carnaval.

Faz ano que me desintoxico de amor. Beijo, sexo, orgasmo. Desintoxico de poema, de potência, de vida.

Preciso é desintoxicar desse tratamento.

8 de maio de 2006

De Fevereiro

estava dando uma olhada nos meus escrito e me deparei com uns carrancudos que escrevi lá por Fevereiro, um mês que foi bem osbcuro pra mim... acabei gostando do que vi, sabem? escritos-suspiros, palavras-gritos. dei títulos pra eles e vou publicá-los aqui, todos, amanhã - o tempo é só uma medida subjetiva de ordenação.

beijos

30 de abril de 2006

Difícil

Ás vezes - quase muitas vezes - eu só quero fugir. Desaparecer. Ou esquecer e seguir - vida de um jeito louco - louco de a princípio pouco, de outro, outra, coisa, lugar, jeito - ir. embora. agora.

É difícil ter uma certeza só com tudo isso que me rodeia - porque a certeza há e o que rodeia é balela que dia-a-dia faz, defesa que me fecha contra o risco - de quê? Ser humano é mais do que quase odioso. Ser eu é um desastre.

29 de abril de 2006

Encontro

Tem beijo que faz a gente ir além de nós mesmos. Que não seja só pra isso que esses lábios sejam feitos - vá beijar um pão de queijo, mas não esqueça do sorriso -, é aí que de verdade nossos lábios se realizam.

28 de abril de 2006

âmago

Algumas idéias são naturalmente obscuras. Retumbam no peito, se escondem lá dentro. Infurnam-se no corpo atrás da alma. Acho que fogem da mente, como idéias selvagens que lutam pra ficarem livres.

Não tenho como pegá-las. Simpatizo com elas: dá pra entender direitinho essa vontade que tem. O único jeito que tenho é ficar quieto, bem quietinho e deixar mesmo que elas virem corpo. Ou que pulem pro mundo.

27 de abril de 2006

Só e chuva

Não fui eu que te disse que era assim. Mas deixei que pensasse, porque era cômodo e bonito.

Você sabe, a fantasia tem algo de belo. Que é como dizer que tem algo de triste. Você sabe: a fantasia já carrega em si a sua própria perda.

Você nunca está tão bonito como quando está imerso em tristeza. Só que você a chama
melancolia. É quando não espera nada de nada, não impõe coisa alguma pro mundo. Lindo! A tristeza tem em ti sua forma mais livre...

26 de abril de 2006

Aquele CC lá em baixo

Registrei a fraguExperimentos em Creative Commons. Agora tenho um copyright. Não é o máximo?

É mesmo: os CCs não são só um jeito de eu dizer "oh galera, esses textos são meus, viu?". Tampouco estão preocupados em afirmar o que não pode ser feito com eles. A lógica é justamente contrária: a licença pelos Creative Commons se preocupa em dizer o que se pode fazer com tudo isso.

Por exemplo, legalmente falando é permitida a reprodução, cópia e distribuição livre de tudo o que está aqui. Pode-se, além disso, criar trabalhos derivativos a partir desses textos ou da idéia desse blogue, e inclusive ganhar dinheiro com isso. As duas condições, que podem ser esquecidas com a minha autorização, são que meu nome seja citado e que qualquer citação ou remix tenha também essa licença à recombinações.

Não é lindo? E dá pra registrar qualquer coisa em CC: músicas, vídeos, projetos... o que for. É um troço recente no Brasil, de forma que as coisas ainda estão se encaixando. Por exemplo, não há registro de domínio público no nosso país, de forma que não se pode dizer que algo é da autoria de alguém e ainda assim é de todos. Mas, vai, mexendo a gente chega lá.

A página dos Creative Commons, que ensina como registrar seu blog ou página da inet - e tudo o mais a respeito deles.

Tá, importantíssimo dizer: estão declaradas as condições legais de uso desse material que publico aqui. Acho bacaníssimo que estejamos constantemente criando formas institucionais de possibilitar o bacana, o intenso, o vivo. Por isso, por tudo o que se faz em embates burocráticos, ainda acredito na criação de leis, nos enjambres jurídicos e essas coisas todas - porque o bicho pega, e é bom poder criar uns espaços livres no meio da máquina. MAS nada disso quer dizer que a legalidade me tem sob controle. Ótimo, agora a fraguE tem um registro, mas se alguém um dia quiser fazer disso aqui algo que fuja ao permitido, bom ou mau, vou achar do caralho! Ou seja: bom ver as possibilidades do legal, mas não seja capturado, meu amigo, que se a gente ficar só nos embates burocráticos, estamos ferrados...

Vá batalhar pra ser livre, mas cuide pra não fazer da arma - e da armadura - a própria prisão.

Beijo!

25 de abril de 2006

Dos tempos

Leio Hesse e me parece que entendo um pouco sobre os alemães no entre-guerras e como é ingênua a cruel propensão humana a ser levado por idéias, o espírito de um tempo, criando possíveis para as pessoas que são menores e mais restritos do que os possíveis livres - as possibilidades de uma socieidade e aquelas aquém a ela, as afetuosas possibilidades de uma liberdade de preceitos.

A disposição que possibilitou o Nazismo num povo tão rico de idéias e tão lindo (tanto quanto sinistro) como os alemães é dos maiores mistérios humanos da História. Pois que em outras medidas, outros valores, o que há de belo e obscuro na cultura germânica há em toda cultura do globo e através do tempo. Se não nos preocuparmos na contagem de números ou avaliação de profundidade, essa disposição é a mesma, e segue forte em nós agora.

Que a contemporaneidade tenha dissolvido a limiaridade dos partidos políticos e dos programas sociais de outrora - que hoje, sob o julgo da velocidade, estejamos imersos em uma complexidade de meios, de suportes, talvez sem precedentes - só vem a tornar ainda mais sinistra nossa disposição aos modos prontos que hão de salvar-nos - às idéias e comportamentos corretos que dêem esperança (feito uma Porta da Esperança guardada por um áureo São Pedro - de microfone?) para a desolação das nossas desamparadas vidas. É que essa complexidade faz desaparecer um só fascismo ao qual ainda podíamos combater em sua evidência. Hoje o fascismo é tão múltiplo e veloz quanto todas as coisas - não está nas coisas, de modo que pouco adianta apontá-lo, mas está no antes, no que gera coisas, pessoas, pensamentos, em cada coisa e além - o fascismo é um processo de produção.

E é que de fato não sabemos viver. Nos entregamos ao desamparo esperando que algo venha fazer a função de rede que nos agarre e dê colo. Sinto falta no dia-a-dia de um misticismo que nos ponha em relação direta com as coisas, dum misticismo que, não tendo nada a ver com igrejas ou sistemas fechados, seja, ao contrário de uma mediação, uma percepção, capacidade de sensibilização direta - nossas próprias histórias, nossa própria respiração, o batimento desse coração aqui dentro desse peito, do que cada um desses ouvidos ouvem.

É nos processos de produção - que são impessoais e são pessoalizados, que estão além e entre nós e que atuam dentro de nós, esses dos quais somos agentes - que podemos atuar para mudar o mundo - que seja o nosso mundo. Entrar numa construção de esquemas é estar sempre fechando o mundo - viver uma sensibilização livre e espontânea é sempre abrir, desvelar, ampliar a vida.

23 de abril de 2006

Feitiço

Venham a mim, papel, prancheta
caneta
Venham voando e escrevam
no tempo do pensamento
Nem um atraso no compasso
da letra
nada que dê gelo
ou espalhe areia ao vento
ou deixe num lamento
o inacabado
do poema

22 de abril de 2006

A última utopia

Se Nietzsche tivesse vivido em uma praia onde só há natureza e pescadores, provavelmente teria tirado o bigode - não precisando mais esconder de ninguém seu grande sorriso. (Sim, porque, como Irene, Nietzsche ri de nós.)

Talvez, feliz assim, ele nunca mais escrevesse. Não acredito nisso. Por certo ele escrevia por necessidade, e ela deveria vir muito da sua inquietude frente a sociedade. "E quem adivinha das conseqüências que se alojam em toda suspeita profunda, algo dos calafrios e angústias do isolamento, aos quais toda incondicional diferença de olhar condena os que são acometidos dela, entenderá também quantas vezes e, para descançar de mim, como que para um temporário auto-esquecimento, procurei abrigar-me em alguma parte - sob alguma veneração ou inimizade ou cientificidade ou levianidade ou estupidez: e também porque, onde não encontrei aquilo de que precisava, tive de conquistá-lo artificialmente, falsificá-lo, criá-lo ficticiamente para mim (... e que outra coisa fizeram jamais os poetas? e para que existirá toda arte no mundo?)". Acredito, no entanto, que justamente a liberdade dessa inquitude geraria uma outra necessidade de escrever: por vida, por felicidade.

Ou então poderíamos imaginar uma ilha paradisíaca como refúgio fora do tempo e do espaço para os malditos da sociedade. Além da natureza exuberante e dos pescadores tranquilos, Nietzsche sem bigode, Espinosa, Van Gogh, Henri Thoreau, Artaud, Oscar Wilde, Reich, Timothy Leary, Deleuze, Guattari, Foucault. Mais quantos outros suicidados da sociedade! E Hakim Bey, quando de férias do seu cosmopolitismo desenraizado.

Esses homens juntos e todas aquelas maravilhosas mulheres que a História fez escapar de si e dos seus nomes em Grandes Listas e Grandes Livros, mas que os afetos nunca permitirão calar - pois as brujas falam alto em todo ouvido que escuta o vento. Simone de Bouvoir a frente das inomináveis.

Imaginem: esses seres incomensuráveis não ficariam em uma ilha como reclusão. Mas sim um lugar onde todas as suas vozes pudessem tomar ar. Eles teriam mísseis intercontinentais sem ogiva ou bomba alguma - cheios de textos, fitas, quadros, filmes, músicas - que seriam lançados casualmente ao mundo todo. Como vez que outra sairiam dando voltas pelo globo feito uma grande trupe de intrépidos mambembes a proclamar novos horizontes, cantar novas cores, sapatear novas filosofias.

E para os outros Estados (para os Estados) seriam governados por um respeitoso, muito correto, imponente e poderoso Grande Irmão, que secretamente e para eterno deleite cômico dos moradores da Ilha seria um pequeno macaco bagunceiro (ou até a estátua de um macaco com o nome de João).

A ilha seria uma utopia pirata com piratas de um ótimo outro tipo. Piratas de afetos, de idéias, de beijos e abraços - piratas por entenderem que a vida não tem propriedade e que só se reproduz e mesmo se mostra no que é de fato livre.

____

Pois essa pequena utopia existe. Há de fato uma Ilha concretamente reverberando no coração puro de todo maldito que anda pela Terra. E há que haver malditos, e temos nós de sê-los. Porque não se faz nada com um pensamento que repita o que aí está, que resolva uma idéia a deixando enclausurada, e reproduzindo por dentro das grades ou em grandes blocos de concreto, caixas de papelão de mudança taxadas de frágeis, com um esse lado para cima e ainda um adesivo da FedEX.

Criar é e sempre será problematizar. Há de haver malditos que apontem o que está preso dentro da gente. Sejam eles dessa forma renegados, ou sejam (caso utilizem de uma estética mais bela ou gozem de uma época das aparências de maiores aceitações) abraçados pelo social e reproduzidos indiscriminada e automaticamente como moda (e o século deverá mesmo ser deleuziano), assim o são pelo incapturável, no âmago, de suas idéias. Surfermo-as na costa dessa inestimável Ilha. Que nos dá chão, nos dá coragem, nos dá alento, nos dá asas pra seguir, Malditos, a parte de todos os pequenos dedos.

21 de abril de 2006

Pequeno ensaio sobre os contatos

Não sou um cara superficial. E é um saco e um grande constrangimento ter que, a todo momento, quebrar uma certa superficialidade para chegar em um intenso de encontro - naquilo que vale a pena nos seres humanos, nos seres vivos - orgânicos ou inorgânicos - nas forças - nos afetos. É tão constrangedor e tanta trabalheira que normalmente não dá - e deixa chateadas as pessoas que operam mais livremente nas superfícies - toda quebra tem uma dor de esforço.

Nós somos como bolas - talvez as mônadas de Libniz, que contém tudo em si. Todo nosso contato se dá, a princípio e mais facilmente, através da superfície das nossas esferas. Tem muita gente por aí que fica o tempo todo na superficialidade, de modo a nunca chegar num profundo e no sem-forma que há ali. As melhores pessoas entre nós, no entanto, utilizam bem do superficial para dar caminho ao profundo. Criam janelas na dureza das máscaras para os afetos, e aí, formidavelmente, é justamente a dureza das máscaras, bem utilizadas, bem formuladas, que sustentam a passagem mais livre desse vivo.

Minha atenção já está lá embaixo. Sou bem sensível ao intenso, e quando as situações favorecem os aprofundamentos espontâneos de qualquer tipo, fico grande. Mas sou péssimo de superficialidades - quando se está ali, no contato social ordinário, fico sem graça.

Sofro de profundeza crônica.

20 de abril de 2006

cariarte








que toca a gente e tem tanta razão

a Cari tá linkada ali nos abraços, vai lá e confere

homenagem e pirataria de dados artísticos. beijo, guria!

Ontologia (para além do bem e do mal)

Aquele lugar me dava ondas - aquele lugar me dava honras de ser vivo. Ali, sem luz, sem buzina, meu Sono vinha decisivo - como vinha decisiva toda vontade, e todo passo, em pedra, em Pedro, na areia - todo passo era certo e certeiro. Ali eu percebia a energia telúrica passar por mim, e a percebia em seus efeitos: uma disposição infinita de fazer o que se estava afim, bem estar em todo lugar bom, olhar, olhares, expressões.

Que eu não sentisse tão claramente essa coisa que só posso chamar de onda energética primordial me é como prova de que a surfava estando tão fortemente no mundo: eu me tornei efeito dela. E não me remeti à máscara alguma, mas aos brilhos disformes e com sentidos ao invés de significados - com movimentos ao invés de categorias - e mesmo assim usei de máscaras para das expressão a afetos, eles sim luminosos, eles sim vida sem limites.

Fiquei doente ao voltar pra casa. Dos intestinos. Isso não me impressiona como se eu estivesse sensível depois de tantas portas abertas - como se eu precisasse de tempo para processar tudo isso que a vida me ensinou como só ela pode ensinar - intensamente.

Logo dos intestinos - logo do processamento do Eu. Como necessidade de dar jeito de dar fluxo - como tanto a pôr pra fora - como processar reordenando formas de estar no mundo. Não dar bola pros meus próprios discursos. Sempre remeter-me pra além das máscaras. Usar da atuação sempre e somente pra além da própria atuação.

A vida não tem pecados - nós temos. Os meus são as presilhas e os penduricalhos. E sempre uma redução. Terei minhas máscaras, meus trancamentos, meus estratos. Não pecar será não reduzir a vida a eles.

A vida não tem diretrizes - mas crio as minhas pra chegar nela.

19 de abril de 2006

Bobo

Tem dia que peito abre
vento varre
coração a bater
...e esse peito
aberto
deixa mesmo
o vento
varrer
...e esse vento
no peito
que abraça
coração...

ah!

Queria pra sempre
a cada momento
repetição de peito aberto
fenômeno
inspiração...


Quando a gente
anda bobo
escreve muito pior
mas ri
muito
mais

18 de abril de 2006

Cá cos meus botões

A arte tem aquilo do intenso que está sempre nos escapando. Acho que a aprendizagem do artístico está em estudar em si jeitos de deixar esse intenso escapar positivamente por vias expressivas; tomar ar, não ficar preso no corpo. O corpo como uma passagem. Entrega e controle (vá lá chamar isso de disciplina) do que há de mais surreal e mais puro em nós.

Me dei conta que há certas coisas pontuais que só faço quando estou bem (ou seja, livre, desbloqueado, "desencouraçado"). Claro que não pontuais há várias. Mas essas coisas, esses pequenos atos, eles como que naturalmente me acometem. Atos pelos quais sou acometido.

A graça tem muito disso, o cômico. Em mim, é marcante que eu escreva, e é marcante que eu cante. Na rua, em qualquer lugar, assim, sem querer.

Toda expressão intensa que vem como que por si mesma vai em dois sentidos, ao menos: medida de desembotamento, e desembotamento. O que nos abre, nos mostra abertos. Abertos de uma permeabilidade que pode até ser lindamente seletiva. Aberto ao intenso, não aberto ao que nos fecha.

É tão sutil...

Vai lá, Ieve, basta imaginar o Pedro cantando na rua sem se dar conta. Foi tu a me dizer que isso era bacana. Mas naquela época me soou bacana assim, sem mais, bacana por bacana, o que já é demais - ainda mai vindo de ti. Lembro de dizer pro Leco, também e doutra feita, que havia percebido não estar muito bem porque fazia tempo que não cantava. Ai, ai...

Taí: pequenas descobertinhas. Deu vontade de contar... Assim, em primeira pessoa, mesmo. Pode?

(Sempre tive medo de tornar esse blog blog demais...)

Beijos!

17 de abril de 2006

Meio sentidos

O mundo é pequeno até quando a cidade é grande.

Quem não corre atrás do frango acaba por comer miojo de sapo.

Ou acelerou o elevador, ou sumiram alguns andares.

16 de abril de 2006

Fora do tempo

Faço marcas para amanhã. Deixo de agora prum tempo em que possa esquecer relógio e calendário. Aposto na duração dos sentimentos, mesmo que dum momento que fique por lá. Arremessar do que turbilha e fará por se acalmar aquilo que dali afeta, bater um gongo que faça tremer.

Que a poeira baixe, siga um quê de nostalgia. O sorriso amanhã vem, vem agora também, vou de braços abertos para praia. Não basta que se esgote num acidente de humores e dias. O que permanece não tem lugar no descritivo; vibra por debaixo da pele e dos ossos, corre no sangue.

Faço marcas de grafite num papel. Arremesso letras através de teclas. Busco no conto o que foge ao ponto. Prum amanhã que seja hoje, prum outro dia que não tenha hora; pra que não tenha importância alguma fora do afeto que faz superfície pra corrida, salto, tropeço e tudo o mais que valha a pena.

14 de abril de 2006

Mais do mesmo

O homem que cobra as passagens do ônibus responde a toda pergunta automaticamente proferindo o itinerário decorado no mesmo tom.

A mulher que registra as compras e não se remete a quem compra a não ser na terceira pessoa, quando fala com o gerente.

O senhor que inventa novas formas unilaterais de proferir todo aquele conteúdo importantíssimo, olha seus alunos um palmo acima das cabeças ou nos espaços vazios entre os corpos e tem em cada questão uma clara ameaça ao seu suposto saber tão duramente alcançado.

Quando eles deixaram de ser o que poderiam sempre novamente para tornarem-se suas profissões, ou qualquer outra forma segura de se relacionar com o mundo e se afastar dele? Quando eles passaram a impedir que cada situação os constituísse um outro, um novo sem abandono que a simples afetação possibilita?

Há um mendigo que cronifica seu pedido de ajuda e acaba por tornar seu corpo débil de fato, e há um que, com gosto ou desgosto, aponta o ridículo em nós que transitamos.

Minha amiga me fala das pessoas vivas que estão na verdade mortas. Mostra. Não há julgamento nisso, uma suposição de valores que mate o vivo; é justamente para o rosto do zumbi que ela aponta. Ali naquele corpo deve haver um coração que bate. Daqui por diante esse só faz por diminuir o ritmo. Mas talvez haja como fazê-lo liberto de suas artificialidades; quem sabe a cadência ainda possa variar com o compasso que lhe chegue desde a pele, os olhos, os ouvidos.

Minha amiga faz dança e filosofia. Me deixa pensando no zumbi em mim, real, potencial. Me deixa pensando em ignorar o zumbi nos outros, em sair do jogo. Talvez aquele coração perca o compasso tanto de lhe pararem o afeto no rosto magro, no lábio preso. Também quem olha se contenta com isso e perde o que está embaixo. Fico pensando num olhar pros músculos e num afeto para além deles. Me remeter a um sub-humano, super-humano. Seria também desviar do morto-vivo em mim.

Fico pensando no Zumbi, no nosso Zumbi, e como seu nome é justo para um outro lado. Quem se libertou de suas amarras morreu prum mundo que prende, e mesmo assim ele insistiu em seguir caminhando e lutando e constrangendo tanto homem branco de estrela, chicote e máscara de ferro...

13 de abril de 2006

Em flashes

Pra onde foi o cafuné que me ganhou a Sissi no colo?

E as risadas que demos no banheiro do hotel em Buenos Aires, Santto e eu, antes do amanhecer, depois de muito caminhar, antes que a fumaça se dissipasse?

(Naquela mesma noite, num descaminho dos sonhos, agonizei meu pai em mim em dor que pouco vi – tive de escrever.)

Pra onde foram aquelas noitadas de vinho, violão e estudos, Danichi, Tati e eu, virando as cadeiras do avesso (Tati que me vida tanto)?

Pra onde foram todas aquelas gloriosas voltas de carro, conversa, fumaça e jazz?

Onde ficou o Pedro daquela noite, numa sala com chá, Camila e Felipe, todo o amor que há na Terra e muita graça também?

Essas e outras tantas...

Uma dança em Canela...

Histórias de terror no intervalo...

Pesadelos em Bento Gonçalves...

Noites e noites de estrelas...

Só algumas conversas... alguns olhares...

Um único pulo nos meus braços. Um jeito de estar com alguém, esse alguém, sensivelmente tranqüilo.

A vida, de comum, já se faz extraordinária na memória. E o quanto de brilho já dentro...

12 de abril de 2006

Zapanò, o Incrível Arrebentador de Correntes

Que som fica estando preso entre as fibras desse músculo garganta? Que som é esse, lá perto do gogó, que treme aflito e aperta o ar que corre os tubos a sair um pouco mais apertado?

Que voz é essa que fala? Quantas vozes diversas cantam essa mesma música dessa mesma boca?

Que emoção fica trancada junto aos ossos do peito e que sem jeito tu esconde com essa respiração pequena?

Que olhar é esse que mira o chão quando não é aí que a mente tem presa atenção? Que olhar é esse que foge a si próprio? Que divide a energia, que quebra os impulsos, que prende os sentires como quem estanca uma veia que sangra?

Que é que de ti não pode sair? Por que desse medo, dessa insistência de seguir pela metade?

11 de abril de 2006

De cada dia

Não faz o menor sentido esse comportamento humano.

Pensa só: o que é que está em jogo no dia-a-dia de cada indivíduo da humanidade?

É um ciclo infindável de atuações. Acho ficamos representando pra fugir de nós mesmos. Ficamos nos defendendo com caras e bocas e trejeitos de improviso. Freud tinha razão, mas aí a inventar uma descrição para o problema da presença não nos leva necessariamente a lugar algum; continuamos inventando enredos pra escapar da onde estamos.

Imagine: passar o dia inteiro se defendendo, que exaustivo! E aí, inevitavelmente: se defendendo do quê, por diabos?

Dos diabos, suponho.

Ou alguma outra explicação besta: fugimos da morte; porque viver é morrer, então escapamos à vida para nos surrupiar a morte.

No fim, não sei pelo lamentamos no cemitério. Tenho a impressão de que com a morte só perdemos o inútil.

Lamentamos porque quem fica não pára com o drama.

Devíamos procurar periodicamente por uma morte-em-vida. Fazer cair os penduricalhos das fantasias. Respirar um pouco pra além da teia. Não precisar de coisa alguma – acima de tudo não ser alguém – só uma respiração, uma situação, sem interpretações, nada. Um coração que bate.

O contrário é seguir concretamente preso a um abstrato inalcançável. Estamos querendo dinheiro? Fama? Um carro novo?

Novo? Estamos cheios de valores que não fazem sentido algum.Viver concreta e abstratamente atrás de coisa alguma. Uma vida cheia pruma morte que valha a pena, e talvez consigamos morrer de verdade, e na hora certa – talvez possamos até escolher a hora.

O contrário é uma espécie que se porta apenas para comprova a Primeira Lei da Física.

10 de abril de 2006

Doente

Escrevo como ato reflexo. Como medida de desembotamento desse corpo que se vê imerso em fluxos de um redemoinho sem foco, em presilhas de uma tramóia auto-engendrada já não sei quanto tempo atrás.

Ando tendo pequenos surtos. Lapsos. Espasmos comportamentais, alucinações expressivas. Quero crer que são a natural resposta de certos desbloqueios. Seria possível mundo descortinando em mim enquanto brutas tensões o resistissem? Tenho um medo racional de estar ficando louco.

Um dia me acho novo, noutro capto indícios, pedaços da casca de um ovo de depressão. Devem ser tentativas de me encerrar numa solução, como quem acha o porquê de si. Me sinto correndo atrás do meu próprio rabo. Há uma espera: de que algo irrompa do meu peito.

Mas não estou parado (estou?). Tenho nítidas sensações subcutâneas de mudanças climáticas no litoral. Como um pescador já velho que de repente dá-se conta que não consegue ler o mar: esse se revestiu de um cinza indecifrável, se cobriu de nuvens que trafegam sem sentido, desvelou correntezas que aparentemente vão umas contra as outras, criando locais onde tudo o mais é tragado para baixo, num infinito escuro, e alguns pontos donde emergem Mistérios de Outras Eras – que vão parar fingindo serem conchas nas areias da praia.

9 de abril de 2006

Em flashes

Lembro da vista do mar do alto com o Daniel, Forte de Santa Teresa pela primeira vez, e tudo na Natureza era uma mensagem sem razão ou com uma consciência linda e muito estranha.

Lembro do mar do Siriú com a Lica sem parar de falar e uma viagem inteira de dedicação.

Lembro do caminho em volta do morro com a Beba e o Homem-Pedra que subia e que me ensinou tanto. Da gruta de antes também Peck e a montanha nos mostrando como soa por dentro.

Lembro do abraço da Aline e do tanto que tinha ali, batida de coração e vontade. Do susto no carro e meu receio eternamente desvelado.

Lembro da conversa com o Iacã que só pôde ter lugar lá em cima, da vista, do vento, e dos dois pontos luminosos que vagaram do outro lado – aliados.

Lembro da praia com o Waltrudez e tudo o que ele é, o mais incrível, amigo.

Lembro da rede madrugadas em que descobri a Ieve e nunca mais soltei.

Lembro da Clarice de muitas surpresas, de longos papos e alguns beijos, e como perdi num ciúmes bobo. Lembro da Carol e da sua amizade imensa que minha adolescência tornou pequena. Lembro do Léo de tantas conversas e tanta importância até hoje, mesmo anos que não o vejo.

Lembro das brincadeiras cheias de gargalhadas com meu irmão.

Lembro dela, Fernanda que me pediu um beijo no meio do show, que se mudou e nunca mais vi, assim, simplesmente.

Lembro de estar sozinho tantas vezes, só e bem, e as pedras me acolherem, e o vento – sempre o vento. Lembro do topo da montanha de 4 Ilhas, o lugar sendo tanto, meu mundo virando, anoitecendo e a Lua guiando minha descida. Lembro da virada na Armação, a ponta pra dentro do mar, e a sensação de que a Terra estava despertando.

Lembro das minhas casas perdidas, que nunca vão se perder de dentro de mim; dos lugares que também são minhas casas, dos amigos que são meus lugares.

Lembro...

6 de abril de 2006

busca

a vida não tem porquê, se, ou praquê. seu grande motivo parece ser o movimento de respiração. mesmo assim, vez que outra encontro ali, num sorriso que deliza, toda explicação. é o meu drama, meu assombro:

queria eu encontrar sereno
serenata
estrela pra dentro do peito
aquecimento global do próprio corpo
bolo
recém pronto
e sorriso

motivo
pra tocar o piso
desse mundo

5 de abril de 2006

Vou viver numa montanha

e minha grande obra será uma nota na parede do barraco

e minha grande performance será um movimento de ombros olhando um mico

adeus, humanidade e todas as suas balelas!

4 de abril de 2006

Livre?

Seria preciso arrancar esse rosto. Suar esse sangue. Puxar até as raízes todos esses pêlos. Explodir esse coração e demais órgãos.

Talvez fosse preciso moer esses ossos. Acho, porém, que não. Aos ossos cabe a sustentação. Então que aguentem o processo. Mas sim, seria preciso fazer esses ossos saírem às lágrimas. Limpá-los com esfregão e água de rio. Dá-los força, uma outra consistência.

Aos músculos cabe o maior esforço. Eles que são a liga desse corpo roto. Seria preciso esticá-los. Aquecê-los. Desfiá-los. Liquefazê-los numa massa disforme. Dá-los propriedades do mercúrio, da lama, da lava.

Por fim a consciência. Como bem lhe cabe, saberia se resguardar de todo processo, pairando em viagem astral ou em suspensão. Seria preciso assoprá-la como a um dente-de-leão. Espaná-la de suas sujeiras, picotá-la em mil pedacinhos, dar nela com uma marreta - fazer pó da consciência. Seria preciso desfragmentá-la e encontrar nela o que há de vital. E então, espalhá-la, disforme e pulsante, por todo o corpo.

Seria preciso fazer do corpo espírito e do espírito essas carnes, essa expressão sem nome. Seria preciso acabar com nomenclatura qualquer, cambiá-la por onomatopéias de ocasião. Seria mesmo preciso extinguir meu nome.

3 de abril de 2006

Querida C,

Já era Outono?

O clima do mundo enlouquece, e se é difícil de senti-lo de dentro das cidades, mudar de habitação duma pra outra aumenta a dificuldade ainda mais - ainda mais que ele não confiava mais na sua sensação de "natural"; e numa cidade nova, como sentir o que já mudou? As pessoas são insuspeitas do que as cerca; as pessoas não tem uma sensibilidade confiável.

Queria escrever uma carta erótica. Na verdade, queria fazer amor, ali mesmo, sexo de um tipo completo. De um tipo que te torna diferente e cambaleante, bambo e feliz. Mas como ele parecia agora conseguir estar onde estava, a possibilidade de amar transcedentalmente alguém enquanto sozinho num apartamento era menos do que remota. Uma carta ele sempre poderia escrever.

Livre de quem o dissesse o que estudar, havia descoberto que podia ler vários livros ao mesmo tempo, como quem vai a diferentes aulas. A autonomia do seu próprio ensino o estava maravilhando. Toda nossa aprendizagem deveria ser como a de quem viaja por um país, pensava. E vai aonde quer, sobe os morros que conseguir, ou então mergulha em um lago; e pede indicações para os nativos - ou outros viajantes - que lhe parecerem mais simpáticos, mais interessantes.

Queria fazer de todos os seus estudos e descobertas uma coisa só. Deixar tudo vivo dentro de si e estar inteiro no que fizesse, levando tudo isso consigo não como quem carrega malas, mas como a própria pele; como a rede neural quase imaterial que tem todas as possibilidades de sensações. Não seria um especialista em nada além do momento. Não fugiria em protocolos, não seria dominado pelo sujeito social. Não venderia sua alma, nem como um discurso para salvar-se.

Tudo o que faria seria fazer arte. E sua única segurança seria a generosidade de estar aberto. O trabalho era não se permitir criar fôrma qualquer pro seu mundo. Não queria vivê-lo antes mesmo de entrar em contato com ele. Já tinha isso acontecido tanto.

Contato. Queria uma vida de contatos, encontros, acontecimentos. Uma vida que volta-e-meia o fizesse de pião. Não se importaria de ser rodopiante peão da vida.

Queria queimar as coxas brancas no Sol. Viver numa montanha. Abraçar a Terra com suas coisas e gentes que o viessem a visitar - sempre de surpresa.

Mergulhar no mar ou sentir a brisa quando precisasse de força. Ou quando estivesse inexplicavelmente feliz. Dançar para a Lua, ver ela brilhar a Terra de azul. Enxergar no escuro - sua mente o mais amorfa quanto possível, a percepção oscilante - harmonia de um espírito mundano.

Conjurava o Universo enquanto escrevia, sozinho, dentro do apartamento.

Do mundo, mal sabia.