29 de março de 2011

Urbanidade

Para Pedro Lunaris

Saio para a rua e encontro o campo:
As avenidas sem calçadas
São largas como o olhar e pavimentadas
De verde vivo.

Os bancos de pedra são de pedra
E os bancos de madeira,
De madeira, enraizados e abanando
Aos passantes e à brisa brejeira.

Uma perdiz acha meu olhar:
Bom-dia!
Bom-dia!
Por isso que jamais poderia caçar...

O cachorro alonga meu olfato,
Cheirando a hora do chimarrão e a hora do sol:
Bom-dia!
Bom-dia... ─ diz ao sol
Se espreguiçando, com voz emprestada não sei de onde...

O gato passa por entre as minhas pernas,
Diz seu bom-dia com os pelos.
Bom-dia! ─ respondo-lhe ─.
Vejo-o entrar no porão da casa
Para se despedir da noite.
É o único da casa que se lembra disso.
Por isso que a noite nunca é ingrata...

O porco se limpa na lama e me diz
Bom-dia!
Bom-dia!
Trocamos vozes agora, depois
Que provei que não há mais
Presunto aqui em casa...
Fizemos as pazes e agora a cumprimos
Nos cumprimentos!

Até a casa me diz bom-dia, com voz
De chaleira!
A janela do meu quarto
Emoldura um retrato feliz,
Para dentro e para fora.
A cortina pisca para mim, agora.

À noite, no escuro, retribuirei com juros.
Ela sabe e sorri mais ainda, acariciando a janela.

Toda minha fazenda me cumprimenta, agora
Que aprendi o que significa urbanidade.

Entro no carro. E enquanto dirijo até o trabalho,
Pergunto-me o que posso fazer
Para que a urbanidade de hoje
Volte a ser como era antes...

Poema de André Castro

28 de março de 2011

De uma carta de outros tempos

Hoje de manhã cheguei em casa. A caixa de correios pingava com a chuva. Dentro, um papelzinho quase nada enrolado.

Propaganda, pensei. Nada. Não era.

Uma folha de caderno. A data de 5 anos atrás. O nome assinado não conheço. A temática, sim.

De deixar a gente pensando, levado pelas gotas de chuva desse dia.