25 de abril de 2006

Dos tempos

Leio Hesse e me parece que entendo um pouco sobre os alemães no entre-guerras e como é ingênua a cruel propensão humana a ser levado por idéias, o espírito de um tempo, criando possíveis para as pessoas que são menores e mais restritos do que os possíveis livres - as possibilidades de uma socieidade e aquelas aquém a ela, as afetuosas possibilidades de uma liberdade de preceitos.

A disposição que possibilitou o Nazismo num povo tão rico de idéias e tão lindo (tanto quanto sinistro) como os alemães é dos maiores mistérios humanos da História. Pois que em outras medidas, outros valores, o que há de belo e obscuro na cultura germânica há em toda cultura do globo e através do tempo. Se não nos preocuparmos na contagem de números ou avaliação de profundidade, essa disposição é a mesma, e segue forte em nós agora.

Que a contemporaneidade tenha dissolvido a limiaridade dos partidos políticos e dos programas sociais de outrora - que hoje, sob o julgo da velocidade, estejamos imersos em uma complexidade de meios, de suportes, talvez sem precedentes - só vem a tornar ainda mais sinistra nossa disposição aos modos prontos que hão de salvar-nos - às idéias e comportamentos corretos que dêem esperança (feito uma Porta da Esperança guardada por um áureo São Pedro - de microfone?) para a desolação das nossas desamparadas vidas. É que essa complexidade faz desaparecer um só fascismo ao qual ainda podíamos combater em sua evidência. Hoje o fascismo é tão múltiplo e veloz quanto todas as coisas - não está nas coisas, de modo que pouco adianta apontá-lo, mas está no antes, no que gera coisas, pessoas, pensamentos, em cada coisa e além - o fascismo é um processo de produção.

E é que de fato não sabemos viver. Nos entregamos ao desamparo esperando que algo venha fazer a função de rede que nos agarre e dê colo. Sinto falta no dia-a-dia de um misticismo que nos ponha em relação direta com as coisas, dum misticismo que, não tendo nada a ver com igrejas ou sistemas fechados, seja, ao contrário de uma mediação, uma percepção, capacidade de sensibilização direta - nossas próprias histórias, nossa própria respiração, o batimento desse coração aqui dentro desse peito, do que cada um desses ouvidos ouvem.

É nos processos de produção - que são impessoais e são pessoalizados, que estão além e entre nós e que atuam dentro de nós, esses dos quais somos agentes - que podemos atuar para mudar o mundo - que seja o nosso mundo. Entrar numa construção de esquemas é estar sempre fechando o mundo - viver uma sensibilização livre e espontânea é sempre abrir, desvelar, ampliar a vida.

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