30 de abril de 2006

Difícil

Ás vezes - quase muitas vezes - eu só quero fugir. Desaparecer. Ou esquecer e seguir - vida de um jeito louco - louco de a princípio pouco, de outro, outra, coisa, lugar, jeito - ir. embora. agora.

É difícil ter uma certeza só com tudo isso que me rodeia - porque a certeza há e o que rodeia é balela que dia-a-dia faz, defesa que me fecha contra o risco - de quê? Ser humano é mais do que quase odioso. Ser eu é um desastre.

29 de abril de 2006

Encontro

Tem beijo que faz a gente ir além de nós mesmos. Que não seja só pra isso que esses lábios sejam feitos - vá beijar um pão de queijo, mas não esqueça do sorriso -, é aí que de verdade nossos lábios se realizam.

28 de abril de 2006

âmago

Algumas idéias são naturalmente obscuras. Retumbam no peito, se escondem lá dentro. Infurnam-se no corpo atrás da alma. Acho que fogem da mente, como idéias selvagens que lutam pra ficarem livres.

Não tenho como pegá-las. Simpatizo com elas: dá pra entender direitinho essa vontade que tem. O único jeito que tenho é ficar quieto, bem quietinho e deixar mesmo que elas virem corpo. Ou que pulem pro mundo.

27 de abril de 2006

Só e chuva

Não fui eu que te disse que era assim. Mas deixei que pensasse, porque era cômodo e bonito.

Você sabe, a fantasia tem algo de belo. Que é como dizer que tem algo de triste. Você sabe: a fantasia já carrega em si a sua própria perda.

Você nunca está tão bonito como quando está imerso em tristeza. Só que você a chama
melancolia. É quando não espera nada de nada, não impõe coisa alguma pro mundo. Lindo! A tristeza tem em ti sua forma mais livre...

26 de abril de 2006

Aquele CC lá em baixo

Registrei a fraguExperimentos em Creative Commons. Agora tenho um copyright. Não é o máximo?

É mesmo: os CCs não são só um jeito de eu dizer "oh galera, esses textos são meus, viu?". Tampouco estão preocupados em afirmar o que não pode ser feito com eles. A lógica é justamente contrária: a licença pelos Creative Commons se preocupa em dizer o que se pode fazer com tudo isso.

Por exemplo, legalmente falando é permitida a reprodução, cópia e distribuição livre de tudo o que está aqui. Pode-se, além disso, criar trabalhos derivativos a partir desses textos ou da idéia desse blogue, e inclusive ganhar dinheiro com isso. As duas condições, que podem ser esquecidas com a minha autorização, são que meu nome seja citado e que qualquer citação ou remix tenha também essa licença à recombinações.

Não é lindo? E dá pra registrar qualquer coisa em CC: músicas, vídeos, projetos... o que for. É um troço recente no Brasil, de forma que as coisas ainda estão se encaixando. Por exemplo, não há registro de domínio público no nosso país, de forma que não se pode dizer que algo é da autoria de alguém e ainda assim é de todos. Mas, vai, mexendo a gente chega lá.

A página dos Creative Commons, que ensina como registrar seu blog ou página da inet - e tudo o mais a respeito deles.

Tá, importantíssimo dizer: estão declaradas as condições legais de uso desse material que publico aqui. Acho bacaníssimo que estejamos constantemente criando formas institucionais de possibilitar o bacana, o intenso, o vivo. Por isso, por tudo o que se faz em embates burocráticos, ainda acredito na criação de leis, nos enjambres jurídicos e essas coisas todas - porque o bicho pega, e é bom poder criar uns espaços livres no meio da máquina. MAS nada disso quer dizer que a legalidade me tem sob controle. Ótimo, agora a fraguE tem um registro, mas se alguém um dia quiser fazer disso aqui algo que fuja ao permitido, bom ou mau, vou achar do caralho! Ou seja: bom ver as possibilidades do legal, mas não seja capturado, meu amigo, que se a gente ficar só nos embates burocráticos, estamos ferrados...

Vá batalhar pra ser livre, mas cuide pra não fazer da arma - e da armadura - a própria prisão.

Beijo!

25 de abril de 2006

Dos tempos

Leio Hesse e me parece que entendo um pouco sobre os alemães no entre-guerras e como é ingênua a cruel propensão humana a ser levado por idéias, o espírito de um tempo, criando possíveis para as pessoas que são menores e mais restritos do que os possíveis livres - as possibilidades de uma socieidade e aquelas aquém a ela, as afetuosas possibilidades de uma liberdade de preceitos.

A disposição que possibilitou o Nazismo num povo tão rico de idéias e tão lindo (tanto quanto sinistro) como os alemães é dos maiores mistérios humanos da História. Pois que em outras medidas, outros valores, o que há de belo e obscuro na cultura germânica há em toda cultura do globo e através do tempo. Se não nos preocuparmos na contagem de números ou avaliação de profundidade, essa disposição é a mesma, e segue forte em nós agora.

Que a contemporaneidade tenha dissolvido a limiaridade dos partidos políticos e dos programas sociais de outrora - que hoje, sob o julgo da velocidade, estejamos imersos em uma complexidade de meios, de suportes, talvez sem precedentes - só vem a tornar ainda mais sinistra nossa disposição aos modos prontos que hão de salvar-nos - às idéias e comportamentos corretos que dêem esperança (feito uma Porta da Esperança guardada por um áureo São Pedro - de microfone?) para a desolação das nossas desamparadas vidas. É que essa complexidade faz desaparecer um só fascismo ao qual ainda podíamos combater em sua evidência. Hoje o fascismo é tão múltiplo e veloz quanto todas as coisas - não está nas coisas, de modo que pouco adianta apontá-lo, mas está no antes, no que gera coisas, pessoas, pensamentos, em cada coisa e além - o fascismo é um processo de produção.

E é que de fato não sabemos viver. Nos entregamos ao desamparo esperando que algo venha fazer a função de rede que nos agarre e dê colo. Sinto falta no dia-a-dia de um misticismo que nos ponha em relação direta com as coisas, dum misticismo que, não tendo nada a ver com igrejas ou sistemas fechados, seja, ao contrário de uma mediação, uma percepção, capacidade de sensibilização direta - nossas próprias histórias, nossa própria respiração, o batimento desse coração aqui dentro desse peito, do que cada um desses ouvidos ouvem.

É nos processos de produção - que são impessoais e são pessoalizados, que estão além e entre nós e que atuam dentro de nós, esses dos quais somos agentes - que podemos atuar para mudar o mundo - que seja o nosso mundo. Entrar numa construção de esquemas é estar sempre fechando o mundo - viver uma sensibilização livre e espontânea é sempre abrir, desvelar, ampliar a vida.

23 de abril de 2006

Feitiço

Venham a mim, papel, prancheta
caneta
Venham voando e escrevam
no tempo do pensamento
Nem um atraso no compasso
da letra
nada que dê gelo
ou espalhe areia ao vento
ou deixe num lamento
o inacabado
do poema

22 de abril de 2006

A última utopia

Se Nietzsche tivesse vivido em uma praia onde só há natureza e pescadores, provavelmente teria tirado o bigode - não precisando mais esconder de ninguém seu grande sorriso. (Sim, porque, como Irene, Nietzsche ri de nós.)

Talvez, feliz assim, ele nunca mais escrevesse. Não acredito nisso. Por certo ele escrevia por necessidade, e ela deveria vir muito da sua inquietude frente a sociedade. "E quem adivinha das conseqüências que se alojam em toda suspeita profunda, algo dos calafrios e angústias do isolamento, aos quais toda incondicional diferença de olhar condena os que são acometidos dela, entenderá também quantas vezes e, para descançar de mim, como que para um temporário auto-esquecimento, procurei abrigar-me em alguma parte - sob alguma veneração ou inimizade ou cientificidade ou levianidade ou estupidez: e também porque, onde não encontrei aquilo de que precisava, tive de conquistá-lo artificialmente, falsificá-lo, criá-lo ficticiamente para mim (... e que outra coisa fizeram jamais os poetas? e para que existirá toda arte no mundo?)". Acredito, no entanto, que justamente a liberdade dessa inquitude geraria uma outra necessidade de escrever: por vida, por felicidade.

Ou então poderíamos imaginar uma ilha paradisíaca como refúgio fora do tempo e do espaço para os malditos da sociedade. Além da natureza exuberante e dos pescadores tranquilos, Nietzsche sem bigode, Espinosa, Van Gogh, Henri Thoreau, Artaud, Oscar Wilde, Reich, Timothy Leary, Deleuze, Guattari, Foucault. Mais quantos outros suicidados da sociedade! E Hakim Bey, quando de férias do seu cosmopolitismo desenraizado.

Esses homens juntos e todas aquelas maravilhosas mulheres que a História fez escapar de si e dos seus nomes em Grandes Listas e Grandes Livros, mas que os afetos nunca permitirão calar - pois as brujas falam alto em todo ouvido que escuta o vento. Simone de Bouvoir a frente das inomináveis.

Imaginem: esses seres incomensuráveis não ficariam em uma ilha como reclusão. Mas sim um lugar onde todas as suas vozes pudessem tomar ar. Eles teriam mísseis intercontinentais sem ogiva ou bomba alguma - cheios de textos, fitas, quadros, filmes, músicas - que seriam lançados casualmente ao mundo todo. Como vez que outra sairiam dando voltas pelo globo feito uma grande trupe de intrépidos mambembes a proclamar novos horizontes, cantar novas cores, sapatear novas filosofias.

E para os outros Estados (para os Estados) seriam governados por um respeitoso, muito correto, imponente e poderoso Grande Irmão, que secretamente e para eterno deleite cômico dos moradores da Ilha seria um pequeno macaco bagunceiro (ou até a estátua de um macaco com o nome de João).

A ilha seria uma utopia pirata com piratas de um ótimo outro tipo. Piratas de afetos, de idéias, de beijos e abraços - piratas por entenderem que a vida não tem propriedade e que só se reproduz e mesmo se mostra no que é de fato livre.

____

Pois essa pequena utopia existe. Há de fato uma Ilha concretamente reverberando no coração puro de todo maldito que anda pela Terra. E há que haver malditos, e temos nós de sê-los. Porque não se faz nada com um pensamento que repita o que aí está, que resolva uma idéia a deixando enclausurada, e reproduzindo por dentro das grades ou em grandes blocos de concreto, caixas de papelão de mudança taxadas de frágeis, com um esse lado para cima e ainda um adesivo da FedEX.

Criar é e sempre será problematizar. Há de haver malditos que apontem o que está preso dentro da gente. Sejam eles dessa forma renegados, ou sejam (caso utilizem de uma estética mais bela ou gozem de uma época das aparências de maiores aceitações) abraçados pelo social e reproduzidos indiscriminada e automaticamente como moda (e o século deverá mesmo ser deleuziano), assim o são pelo incapturável, no âmago, de suas idéias. Surfermo-as na costa dessa inestimável Ilha. Que nos dá chão, nos dá coragem, nos dá alento, nos dá asas pra seguir, Malditos, a parte de todos os pequenos dedos.

21 de abril de 2006

Pequeno ensaio sobre os contatos

Não sou um cara superficial. E é um saco e um grande constrangimento ter que, a todo momento, quebrar uma certa superficialidade para chegar em um intenso de encontro - naquilo que vale a pena nos seres humanos, nos seres vivos - orgânicos ou inorgânicos - nas forças - nos afetos. É tão constrangedor e tanta trabalheira que normalmente não dá - e deixa chateadas as pessoas que operam mais livremente nas superfícies - toda quebra tem uma dor de esforço.

Nós somos como bolas - talvez as mônadas de Libniz, que contém tudo em si. Todo nosso contato se dá, a princípio e mais facilmente, através da superfície das nossas esferas. Tem muita gente por aí que fica o tempo todo na superficialidade, de modo a nunca chegar num profundo e no sem-forma que há ali. As melhores pessoas entre nós, no entanto, utilizam bem do superficial para dar caminho ao profundo. Criam janelas na dureza das máscaras para os afetos, e aí, formidavelmente, é justamente a dureza das máscaras, bem utilizadas, bem formuladas, que sustentam a passagem mais livre desse vivo.

Minha atenção já está lá embaixo. Sou bem sensível ao intenso, e quando as situações favorecem os aprofundamentos espontâneos de qualquer tipo, fico grande. Mas sou péssimo de superficialidades - quando se está ali, no contato social ordinário, fico sem graça.

Sofro de profundeza crônica.

20 de abril de 2006

cariarte








que toca a gente e tem tanta razão

a Cari tá linkada ali nos abraços, vai lá e confere

homenagem e pirataria de dados artísticos. beijo, guria!

Ontologia (para além do bem e do mal)

Aquele lugar me dava ondas - aquele lugar me dava honras de ser vivo. Ali, sem luz, sem buzina, meu Sono vinha decisivo - como vinha decisiva toda vontade, e todo passo, em pedra, em Pedro, na areia - todo passo era certo e certeiro. Ali eu percebia a energia telúrica passar por mim, e a percebia em seus efeitos: uma disposição infinita de fazer o que se estava afim, bem estar em todo lugar bom, olhar, olhares, expressões.

Que eu não sentisse tão claramente essa coisa que só posso chamar de onda energética primordial me é como prova de que a surfava estando tão fortemente no mundo: eu me tornei efeito dela. E não me remeti à máscara alguma, mas aos brilhos disformes e com sentidos ao invés de significados - com movimentos ao invés de categorias - e mesmo assim usei de máscaras para das expressão a afetos, eles sim luminosos, eles sim vida sem limites.

Fiquei doente ao voltar pra casa. Dos intestinos. Isso não me impressiona como se eu estivesse sensível depois de tantas portas abertas - como se eu precisasse de tempo para processar tudo isso que a vida me ensinou como só ela pode ensinar - intensamente.

Logo dos intestinos - logo do processamento do Eu. Como necessidade de dar jeito de dar fluxo - como tanto a pôr pra fora - como processar reordenando formas de estar no mundo. Não dar bola pros meus próprios discursos. Sempre remeter-me pra além das máscaras. Usar da atuação sempre e somente pra além da própria atuação.

A vida não tem pecados - nós temos. Os meus são as presilhas e os penduricalhos. E sempre uma redução. Terei minhas máscaras, meus trancamentos, meus estratos. Não pecar será não reduzir a vida a eles.

A vida não tem diretrizes - mas crio as minhas pra chegar nela.

19 de abril de 2006

Bobo

Tem dia que peito abre
vento varre
coração a bater
...e esse peito
aberto
deixa mesmo
o vento
varrer
...e esse vento
no peito
que abraça
coração...

ah!

Queria pra sempre
a cada momento
repetição de peito aberto
fenômeno
inspiração...


Quando a gente
anda bobo
escreve muito pior
mas ri
muito
mais

18 de abril de 2006

Cá cos meus botões

A arte tem aquilo do intenso que está sempre nos escapando. Acho que a aprendizagem do artístico está em estudar em si jeitos de deixar esse intenso escapar positivamente por vias expressivas; tomar ar, não ficar preso no corpo. O corpo como uma passagem. Entrega e controle (vá lá chamar isso de disciplina) do que há de mais surreal e mais puro em nós.

Me dei conta que há certas coisas pontuais que só faço quando estou bem (ou seja, livre, desbloqueado, "desencouraçado"). Claro que não pontuais há várias. Mas essas coisas, esses pequenos atos, eles como que naturalmente me acometem. Atos pelos quais sou acometido.

A graça tem muito disso, o cômico. Em mim, é marcante que eu escreva, e é marcante que eu cante. Na rua, em qualquer lugar, assim, sem querer.

Toda expressão intensa que vem como que por si mesma vai em dois sentidos, ao menos: medida de desembotamento, e desembotamento. O que nos abre, nos mostra abertos. Abertos de uma permeabilidade que pode até ser lindamente seletiva. Aberto ao intenso, não aberto ao que nos fecha.

É tão sutil...

Vai lá, Ieve, basta imaginar o Pedro cantando na rua sem se dar conta. Foi tu a me dizer que isso era bacana. Mas naquela época me soou bacana assim, sem mais, bacana por bacana, o que já é demais - ainda mai vindo de ti. Lembro de dizer pro Leco, também e doutra feita, que havia percebido não estar muito bem porque fazia tempo que não cantava. Ai, ai...

Taí: pequenas descobertinhas. Deu vontade de contar... Assim, em primeira pessoa, mesmo. Pode?

(Sempre tive medo de tornar esse blog blog demais...)

Beijos!

17 de abril de 2006

Meio sentidos

O mundo é pequeno até quando a cidade é grande.

Quem não corre atrás do frango acaba por comer miojo de sapo.

Ou acelerou o elevador, ou sumiram alguns andares.

16 de abril de 2006

Fora do tempo

Faço marcas para amanhã. Deixo de agora prum tempo em que possa esquecer relógio e calendário. Aposto na duração dos sentimentos, mesmo que dum momento que fique por lá. Arremessar do que turbilha e fará por se acalmar aquilo que dali afeta, bater um gongo que faça tremer.

Que a poeira baixe, siga um quê de nostalgia. O sorriso amanhã vem, vem agora também, vou de braços abertos para praia. Não basta que se esgote num acidente de humores e dias. O que permanece não tem lugar no descritivo; vibra por debaixo da pele e dos ossos, corre no sangue.

Faço marcas de grafite num papel. Arremesso letras através de teclas. Busco no conto o que foge ao ponto. Prum amanhã que seja hoje, prum outro dia que não tenha hora; pra que não tenha importância alguma fora do afeto que faz superfície pra corrida, salto, tropeço e tudo o mais que valha a pena.

14 de abril de 2006

Mais do mesmo

O homem que cobra as passagens do ônibus responde a toda pergunta automaticamente proferindo o itinerário decorado no mesmo tom.

A mulher que registra as compras e não se remete a quem compra a não ser na terceira pessoa, quando fala com o gerente.

O senhor que inventa novas formas unilaterais de proferir todo aquele conteúdo importantíssimo, olha seus alunos um palmo acima das cabeças ou nos espaços vazios entre os corpos e tem em cada questão uma clara ameaça ao seu suposto saber tão duramente alcançado.

Quando eles deixaram de ser o que poderiam sempre novamente para tornarem-se suas profissões, ou qualquer outra forma segura de se relacionar com o mundo e se afastar dele? Quando eles passaram a impedir que cada situação os constituísse um outro, um novo sem abandono que a simples afetação possibilita?

Há um mendigo que cronifica seu pedido de ajuda e acaba por tornar seu corpo débil de fato, e há um que, com gosto ou desgosto, aponta o ridículo em nós que transitamos.

Minha amiga me fala das pessoas vivas que estão na verdade mortas. Mostra. Não há julgamento nisso, uma suposição de valores que mate o vivo; é justamente para o rosto do zumbi que ela aponta. Ali naquele corpo deve haver um coração que bate. Daqui por diante esse só faz por diminuir o ritmo. Mas talvez haja como fazê-lo liberto de suas artificialidades; quem sabe a cadência ainda possa variar com o compasso que lhe chegue desde a pele, os olhos, os ouvidos.

Minha amiga faz dança e filosofia. Me deixa pensando no zumbi em mim, real, potencial. Me deixa pensando em ignorar o zumbi nos outros, em sair do jogo. Talvez aquele coração perca o compasso tanto de lhe pararem o afeto no rosto magro, no lábio preso. Também quem olha se contenta com isso e perde o que está embaixo. Fico pensando num olhar pros músculos e num afeto para além deles. Me remeter a um sub-humano, super-humano. Seria também desviar do morto-vivo em mim.

Fico pensando no Zumbi, no nosso Zumbi, e como seu nome é justo para um outro lado. Quem se libertou de suas amarras morreu prum mundo que prende, e mesmo assim ele insistiu em seguir caminhando e lutando e constrangendo tanto homem branco de estrela, chicote e máscara de ferro...

13 de abril de 2006

Em flashes

Pra onde foi o cafuné que me ganhou a Sissi no colo?

E as risadas que demos no banheiro do hotel em Buenos Aires, Santto e eu, antes do amanhecer, depois de muito caminhar, antes que a fumaça se dissipasse?

(Naquela mesma noite, num descaminho dos sonhos, agonizei meu pai em mim em dor que pouco vi – tive de escrever.)

Pra onde foram aquelas noitadas de vinho, violão e estudos, Danichi, Tati e eu, virando as cadeiras do avesso (Tati que me vida tanto)?

Pra onde foram todas aquelas gloriosas voltas de carro, conversa, fumaça e jazz?

Onde ficou o Pedro daquela noite, numa sala com chá, Camila e Felipe, todo o amor que há na Terra e muita graça também?

Essas e outras tantas...

Uma dança em Canela...

Histórias de terror no intervalo...

Pesadelos em Bento Gonçalves...

Noites e noites de estrelas...

Só algumas conversas... alguns olhares...

Um único pulo nos meus braços. Um jeito de estar com alguém, esse alguém, sensivelmente tranqüilo.

A vida, de comum, já se faz extraordinária na memória. E o quanto de brilho já dentro...

12 de abril de 2006

Zapanò, o Incrível Arrebentador de Correntes

Que som fica estando preso entre as fibras desse músculo garganta? Que som é esse, lá perto do gogó, que treme aflito e aperta o ar que corre os tubos a sair um pouco mais apertado?

Que voz é essa que fala? Quantas vozes diversas cantam essa mesma música dessa mesma boca?

Que emoção fica trancada junto aos ossos do peito e que sem jeito tu esconde com essa respiração pequena?

Que olhar é esse que mira o chão quando não é aí que a mente tem presa atenção? Que olhar é esse que foge a si próprio? Que divide a energia, que quebra os impulsos, que prende os sentires como quem estanca uma veia que sangra?

Que é que de ti não pode sair? Por que desse medo, dessa insistência de seguir pela metade?

11 de abril de 2006

De cada dia

Não faz o menor sentido esse comportamento humano.

Pensa só: o que é que está em jogo no dia-a-dia de cada indivíduo da humanidade?

É um ciclo infindável de atuações. Acho ficamos representando pra fugir de nós mesmos. Ficamos nos defendendo com caras e bocas e trejeitos de improviso. Freud tinha razão, mas aí a inventar uma descrição para o problema da presença não nos leva necessariamente a lugar algum; continuamos inventando enredos pra escapar da onde estamos.

Imagine: passar o dia inteiro se defendendo, que exaustivo! E aí, inevitavelmente: se defendendo do quê, por diabos?

Dos diabos, suponho.

Ou alguma outra explicação besta: fugimos da morte; porque viver é morrer, então escapamos à vida para nos surrupiar a morte.

No fim, não sei pelo lamentamos no cemitério. Tenho a impressão de que com a morte só perdemos o inútil.

Lamentamos porque quem fica não pára com o drama.

Devíamos procurar periodicamente por uma morte-em-vida. Fazer cair os penduricalhos das fantasias. Respirar um pouco pra além da teia. Não precisar de coisa alguma – acima de tudo não ser alguém – só uma respiração, uma situação, sem interpretações, nada. Um coração que bate.

O contrário é seguir concretamente preso a um abstrato inalcançável. Estamos querendo dinheiro? Fama? Um carro novo?

Novo? Estamos cheios de valores que não fazem sentido algum.Viver concreta e abstratamente atrás de coisa alguma. Uma vida cheia pruma morte que valha a pena, e talvez consigamos morrer de verdade, e na hora certa – talvez possamos até escolher a hora.

O contrário é uma espécie que se porta apenas para comprova a Primeira Lei da Física.

10 de abril de 2006

Doente

Escrevo como ato reflexo. Como medida de desembotamento desse corpo que se vê imerso em fluxos de um redemoinho sem foco, em presilhas de uma tramóia auto-engendrada já não sei quanto tempo atrás.

Ando tendo pequenos surtos. Lapsos. Espasmos comportamentais, alucinações expressivas. Quero crer que são a natural resposta de certos desbloqueios. Seria possível mundo descortinando em mim enquanto brutas tensões o resistissem? Tenho um medo racional de estar ficando louco.

Um dia me acho novo, noutro capto indícios, pedaços da casca de um ovo de depressão. Devem ser tentativas de me encerrar numa solução, como quem acha o porquê de si. Me sinto correndo atrás do meu próprio rabo. Há uma espera: de que algo irrompa do meu peito.

Mas não estou parado (estou?). Tenho nítidas sensações subcutâneas de mudanças climáticas no litoral. Como um pescador já velho que de repente dá-se conta que não consegue ler o mar: esse se revestiu de um cinza indecifrável, se cobriu de nuvens que trafegam sem sentido, desvelou correntezas que aparentemente vão umas contra as outras, criando locais onde tudo o mais é tragado para baixo, num infinito escuro, e alguns pontos donde emergem Mistérios de Outras Eras – que vão parar fingindo serem conchas nas areias da praia.

9 de abril de 2006

Em flashes

Lembro da vista do mar do alto com o Daniel, Forte de Santa Teresa pela primeira vez, e tudo na Natureza era uma mensagem sem razão ou com uma consciência linda e muito estranha.

Lembro do mar do Siriú com a Lica sem parar de falar e uma viagem inteira de dedicação.

Lembro do caminho em volta do morro com a Beba e o Homem-Pedra que subia e que me ensinou tanto. Da gruta de antes também Peck e a montanha nos mostrando como soa por dentro.

Lembro do abraço da Aline e do tanto que tinha ali, batida de coração e vontade. Do susto no carro e meu receio eternamente desvelado.

Lembro da conversa com o Iacã que só pôde ter lugar lá em cima, da vista, do vento, e dos dois pontos luminosos que vagaram do outro lado – aliados.

Lembro da praia com o Waltrudez e tudo o que ele é, o mais incrível, amigo.

Lembro da rede madrugadas em que descobri a Ieve e nunca mais soltei.

Lembro da Clarice de muitas surpresas, de longos papos e alguns beijos, e como perdi num ciúmes bobo. Lembro da Carol e da sua amizade imensa que minha adolescência tornou pequena. Lembro do Léo de tantas conversas e tanta importância até hoje, mesmo anos que não o vejo.

Lembro das brincadeiras cheias de gargalhadas com meu irmão.

Lembro dela, Fernanda que me pediu um beijo no meio do show, que se mudou e nunca mais vi, assim, simplesmente.

Lembro de estar sozinho tantas vezes, só e bem, e as pedras me acolherem, e o vento – sempre o vento. Lembro do topo da montanha de 4 Ilhas, o lugar sendo tanto, meu mundo virando, anoitecendo e a Lua guiando minha descida. Lembro da virada na Armação, a ponta pra dentro do mar, e a sensação de que a Terra estava despertando.

Lembro das minhas casas perdidas, que nunca vão se perder de dentro de mim; dos lugares que também são minhas casas, dos amigos que são meus lugares.

Lembro...

6 de abril de 2006

busca

a vida não tem porquê, se, ou praquê. seu grande motivo parece ser o movimento de respiração. mesmo assim, vez que outra encontro ali, num sorriso que deliza, toda explicação. é o meu drama, meu assombro:

queria eu encontrar sereno
serenata
estrela pra dentro do peito
aquecimento global do próprio corpo
bolo
recém pronto
e sorriso

motivo
pra tocar o piso
desse mundo

5 de abril de 2006

Vou viver numa montanha

e minha grande obra será uma nota na parede do barraco

e minha grande performance será um movimento de ombros olhando um mico

adeus, humanidade e todas as suas balelas!

4 de abril de 2006

Livre?

Seria preciso arrancar esse rosto. Suar esse sangue. Puxar até as raízes todos esses pêlos. Explodir esse coração e demais órgãos.

Talvez fosse preciso moer esses ossos. Acho, porém, que não. Aos ossos cabe a sustentação. Então que aguentem o processo. Mas sim, seria preciso fazer esses ossos saírem às lágrimas. Limpá-los com esfregão e água de rio. Dá-los força, uma outra consistência.

Aos músculos cabe o maior esforço. Eles que são a liga desse corpo roto. Seria preciso esticá-los. Aquecê-los. Desfiá-los. Liquefazê-los numa massa disforme. Dá-los propriedades do mercúrio, da lama, da lava.

Por fim a consciência. Como bem lhe cabe, saberia se resguardar de todo processo, pairando em viagem astral ou em suspensão. Seria preciso assoprá-la como a um dente-de-leão. Espaná-la de suas sujeiras, picotá-la em mil pedacinhos, dar nela com uma marreta - fazer pó da consciência. Seria preciso desfragmentá-la e encontrar nela o que há de vital. E então, espalhá-la, disforme e pulsante, por todo o corpo.

Seria preciso fazer do corpo espírito e do espírito essas carnes, essa expressão sem nome. Seria preciso acabar com nomenclatura qualquer, cambiá-la por onomatopéias de ocasião. Seria mesmo preciso extinguir meu nome.

3 de abril de 2006

Querida C,

Já era Outono?

O clima do mundo enlouquece, e se é difícil de senti-lo de dentro das cidades, mudar de habitação duma pra outra aumenta a dificuldade ainda mais - ainda mais que ele não confiava mais na sua sensação de "natural"; e numa cidade nova, como sentir o que já mudou? As pessoas são insuspeitas do que as cerca; as pessoas não tem uma sensibilidade confiável.

Queria escrever uma carta erótica. Na verdade, queria fazer amor, ali mesmo, sexo de um tipo completo. De um tipo que te torna diferente e cambaleante, bambo e feliz. Mas como ele parecia agora conseguir estar onde estava, a possibilidade de amar transcedentalmente alguém enquanto sozinho num apartamento era menos do que remota. Uma carta ele sempre poderia escrever.

Livre de quem o dissesse o que estudar, havia descoberto que podia ler vários livros ao mesmo tempo, como quem vai a diferentes aulas. A autonomia do seu próprio ensino o estava maravilhando. Toda nossa aprendizagem deveria ser como a de quem viaja por um país, pensava. E vai aonde quer, sobe os morros que conseguir, ou então mergulha em um lago; e pede indicações para os nativos - ou outros viajantes - que lhe parecerem mais simpáticos, mais interessantes.

Queria fazer de todos os seus estudos e descobertas uma coisa só. Deixar tudo vivo dentro de si e estar inteiro no que fizesse, levando tudo isso consigo não como quem carrega malas, mas como a própria pele; como a rede neural quase imaterial que tem todas as possibilidades de sensações. Não seria um especialista em nada além do momento. Não fugiria em protocolos, não seria dominado pelo sujeito social. Não venderia sua alma, nem como um discurso para salvar-se.

Tudo o que faria seria fazer arte. E sua única segurança seria a generosidade de estar aberto. O trabalho era não se permitir criar fôrma qualquer pro seu mundo. Não queria vivê-lo antes mesmo de entrar em contato com ele. Já tinha isso acontecido tanto.

Contato. Queria uma vida de contatos, encontros, acontecimentos. Uma vida que volta-e-meia o fizesse de pião. Não se importaria de ser rodopiante peão da vida.

Queria queimar as coxas brancas no Sol. Viver numa montanha. Abraçar a Terra com suas coisas e gentes que o viessem a visitar - sempre de surpresa.

Mergulhar no mar ou sentir a brisa quando precisasse de força. Ou quando estivesse inexplicavelmente feliz. Dançar para a Lua, ver ela brilhar a Terra de azul. Enxergar no escuro - sua mente o mais amorfa quanto possível, a percepção oscilante - harmonia de um espírito mundano.

Conjurava o Universo enquanto escrevia, sozinho, dentro do apartamento.

Do mundo, mal sabia.

2 de abril de 2006

1 de abril de 2006

Armadura

Cravei ferro
na frente do peito
em placas
Se bala não passa
teu olhar não era
Como é que gela
então?
Quando é que aquece?
Já faz frio
suficiente
dentro