24 de outubro de 2007

Homo Stranhus

As pessoas, companheiras desconhecidas, conversam muito mais entre si nos aviões do que nos ônibus.

No Rio, é cultural uma certa facilidade de falar com desconhecidos, mas nunca de abandonar a desconfiança - e às pessoas visitam-se menos em suas casas.

Um homem e uma mulher tem o flerte como hábito inalienável - complicado, aceito ou não. No entanto, não ocorre que se pense a sedução na conversa de dois heterossexuais do mesmo sexo. E em uma danceteria, local de caça por excelência, é menos possível que se olhe nos olhos, que dirá demoradamente, pois um olhar assim só pode ser um sim.

19 de outubro de 2007

Esquece

Não soa morte
o que fundo se enterra
Perde a forma
A gente não mais
olha
Mas o grito
na caverna
tanto muito mais
ressoa

Mate a memória
Acabe com a História
(o verdadeiro esquecimento
não é tumba
mas abraço)

18 de outubro de 2007

Prontidão

as pessoas parecem prontas. olhe-as nas ruas, nos encontros, nos trejeitos. prontas em seus gestos, nos andares, às vezes até nos abraços, obviamente nos discursos, outras vezes mesmo nas coisas que dizem intimamente.

as pessoas prontas parecem que se encontraram. sei que encontraram um rosto. jeito de ser, alvoroço ou não. jeito de respirar, ritmo de vida.

teorizo que os jeitos são coisas. além da moral, nem boas nem más. necessário ter um rosto. um passo. já disse tanto disso, não? mas os jeitos imperam e às vezes nos vemos determinados por demais por eles, levados por eles. de repente quem faz é nosso jeito, não a gente. faz sentido?

mas isso é teoria. claro. teoria pessoal, pensamentos íntimos pra acomodar a apreensão da realidade, seja ela qual for. do prático, de andar na rua, sei que as pessoas parecem prontas. tudo bem, nem todo mundo parece consigo mesmo, mas no que se parecem, estão lá: prontinhas.

eu? eu não. não me sinto. quer dizer, vai saber como me pareço... acho que não me vejo tanto assim. mas sentir, não me sinto. pra mim, estou sempre inacabado. é de tirar o fôlego, frio-na-barriga. ao invés de pronto, quem me faz é o momento. e se em mim não impera o jeito (impera também, é claro), tem a hora que vai determinando... e parece que eu oscilo na energia do que se passa, e o arranjo das horas, pessoas, lugares afunila em mim o que quer que eu seja... me torno. em torno. Pedro espiralado, liquidificado. ponha no forno e dê uma mordiscada, não lembro da mistura, então não tenho idéia do gosto.

11 de outubro de 2007

Tenho medo do passo
Há eras
Me agarro
e agarrado quase sufoco
Parece que não posso
Não lembro se foi um tombo
o que fundou meu medo
Olho para trás
Minhas pegadas,
fundas,
já se envolvem em brumas
Mal consigo enxergar
entre as brumas de trás
os medos como muralhas
e aqui
sufoco

Talvez minhas pegadas
tenham sido fundas demais
Me concentro em flutuar
Tento
Não consigo
Nem é porque meus pés
estejam enraizados
(mesmo que eu tenha cavado
procurando o gostoso do úmido
desse chão)
Enquanto olho
uma voz sem palavras
traz algo de resposta:

"Para flutuar é preciso como
que se ande.
A flutuação é sempre
movimento.
Como flutuar parado; flutuar
com a Terra se enterrado..."

Tremo.
A idéia de um passo
inclina meus medos
sombreiam meu rosto
me agarro e
por um segundo
o sufoco é calor
(sufoco cheio de coisas boas)
até que o que aperto
vira minha garganta
Minha voz ressoa, pré-palavras

"Não é possível o passo.
O caminho foi conquistado;
é medo puro.
E se não se pode caminhar
só há uma coisa a se fazer:
vá abraçar a morte,
uma mais profunda do que se pode
conceber
(não faça idéias da morte)
Ao invés de dar um passo,
dance.
Vá dançar a dança de Kali!
Vá ser Shiva, e não represente."

Tenho um sorriso amarelo
verdadeiro
Minha voz sem palavras
Olho meus medos estrondosos
inacessíveis
Eles crescem
Meus medos,
palhaços terroríficos,
ganham a dimensão
da certeza

Onde eu acabo
uma música
começa

4 de outubro de 2007

Pedaço sobre intensidade

pra Cá, de novo, muito obrigado!

Tua provocação eu sinto como correta, e como bem me cabe, bobalhão, respondo teoricamente: o mais necessário no experimentalismo é a prudência. Prudência que sinto que tantas vezes não tive, mas que mordo o lábio para sentir que esteve sempre ali, perto. Tantas vezes me esqueci dela, ou, antes, não dei conta dela, que talvez a prudência seja a fazer exigências maiores, quase tantas quanto o Abismo, que é viva isso tudo, mas só um pouco, lembra? Um passo de cada vez, ou, como diz minha tia querida, a cada dia o que é desse dia. A cada dia o que é desse dia. Calma. E respire. Sempre!

Pule no buraco de cabeça, mas sinta o cheiro antes. Será? Quando tem tudo isso ali, talvez a tendência seja tentar ser tudo... e não há corpo que agüente. Nesse caso, o Corpo sem Órgãos vira o corpo cancerígeno, a comer a si mesmo. Intensidade que não fez potência, mas destruição... é demais. Corpo do drogado, sabe? É isso: sedento demais de vida. Atropelante. Terrível. Mas uma tentativa também. Não basta. Não é isso, não é, como seria ovacionar a vida e passar por cima dela, deixar sem vida pessoas no caminho? É muito difícil... Por isso a sutileza do xamã, sabe? O grande filho da puta, o maior piadista! Aquele que consegue efetivamente te matar pra te dar tua vida plena. É isso, e é pra poucos, e pra gente, e pra mim, é de lembrar de outra coisa: que matar alguém, no nosso nível, raras vezes demais significa libertar, e na maioria significa assassinato mesmo: do corpo, do coração, do espírito; com faca, com afeto, com vampirismo.