28 de junho de 2007

Palavra de mão dada

de mãos dadas com as palavras dançam os abraços. que as palavras não ficam apenas institucionalizadas, mas cantam, viram notas. que as palavras, se bem usadas, apontam para campos de nós, ao invés de descrições; campos-de-força de nós mesmos, nós, desfeitos em forças, núvenzinhas rodeantes de coisas, pré-coisas e afetos a movimentá-las. que as palavras, postas de mansinho, invocam a qualquer lugar, quando dispostas - mesmo os lugares mais frios e duros -, um calor de conexão, corações, nossos encontros.

26 de junho de 2007

Soldado

Quero um machado
de abrir cabeças
de romper idéias em pó

e então
quero um abraço
A luz se apaga
em todo momento crítico
Sofro de escuridão
Mas sofro um pouco mais
nem é por isso
é pela descoberta
nos poros e limites
de minha cegueira tátil

20 de junho de 2007

O Arqueiro Zen

O Arqueiro Zen morava em uma pequena vila rural. Um dia, estava afastado em seus afazeres, quando um enorme tigre atacou a vila e matou seu filho. Quando o Arqueiro Zen retornou, foi tomado de sentimentos súbitos. Correu para sua casa, pegou seu arco-e-flechas, partiu para a floresta.

Ficou dias procurando o grande tigre. Até que, no alvorescer do quarto dia, o viu, em meio as árvores, deitado, de costas, a cem metros de distância. Sem pensar, sacou uma flecha, convocou toda sua disposição implacável ao puxar da corda, e a lançou; com a mira perfeita, a madeira entrou fundo no alvo.

Apenas que, ao se aproximar, o Arqueiro Zen percebeu abismado que ali não estava o grande tigre. Era, na verdade, uma pedra! Mesmo assim sua flecha ele encontrava cravada até o coração da rocha.

O Arqueiro Zen deu meia volta e contou cem metros em seus passos. Virou-se novamente para a pedra que tomara como tigre e, sacando mais uma flecha, pôs-se a alvejá-la.

Utilizou todas as que tinha. E já anoitecia quando deixou o local.

Mesmo com a precisão perfeita, todas as outras varetas quebraram-se ao encontrar seu destino.

(agradecimentos especiais a Leandro Lopez da Silva)

18 de junho de 2007

Tenchi

Vivo
a dez mil pés do chão
onde os ventos giram
e são mais fortes
ao decidirem
em supervisão
onde darão
seus rasantes

Inspiro
no caminho daqui
ao centro da terra
onde tudo que desce
retumba
e muda

Respiro
De em cima, em baixo
e do meio
me perco,
me acho

13 de junho de 2007

na esquina de olhares

nunca saio impune de um pedinte de esquina. já foi só chatisse, hoje é sempre um aprendizado de vida, de contato, sempre uma incomodação de vida, de contato, de ter que pensar sobre as coisas, de ter que sentir olhares.

há uns quatro meses Daniel de todo coração me disse que eu não mais olhava nos olhos daqueles que me pediam coisas pra dizer "não". de todo coração quebrou o meu me apontando, e eu não mais deixei de olhar e comover.

como ver. é difícil.

faz pouco me dei conta que é mais fácil dizer não praqueles olhares que mais se aproximam do que para os mais distantes, aqueles que utilizam de um comportamento agressivo como tática de conseguir seus trocos. mas é ridículo; prefiro me constranger de afetos bons do que de afetos ruins - ou lidar com esses constragimentos de formas mais apropriadas.

dizer sim ou não são questões constantes. experimento as duas. passou a ser um exercício quando cada qual, então. e contato. e vida. e incômodos.

nunca saio impune de um pedinte de esquina.




tirinha de Liniers

12 de junho de 2007

Vívido

Universo irrompe, explode, estoura. Entona vibrações de mil canções mais antigas que o homem, mas renascidas com ele desde que tomadas no corpo. Universo me rasga de verde e ar, a terra treme e meus olhos descolam a aperecerem novas cores. Meu coração acelera descompassado com a abertura de meu peito, desacostumado com tamanha reverberação de mundo, tamanha abertura que aos poucos se anuncia. Meu coração respira. Solta prantos a muito guardados, relaxa músculos distendidos, alonga a si mesmo. Meu coração, de leve, grita, e com sua voz vai aprendendo. Seus passos aos poucos se ritimam aos da Terra. Trêmulo fica estável, girando ganha consistência.

Meu coração ensaia sua dança. Eu acompanho.

11 de junho de 2007

Arca Verde

Ao vento só resta
a lingua da verdade
de reto ou em curva
passar por entre os buracos
de nossas roupas mal usadas
desamarrar nossos cabelos
de um mesmo penteado e trato
nos inflar de apelo de vôo

o vento é um sopro de vida
que nos abraça até quando esfria
obriga que facemos algo
(é tão vida de também trazer
a morte)

Do vento forte
que de todo lugar
vem pra cá
a Arca é um grande moinho
a processar nossos corações

3 de junho de 2007

Tremo.
Por mim
o veio escorrega

Inundo o mundo
de idéias
e resbalo
nelas
com esse corpo
que pelos poros
não consegue
dizê-las

Me escondo
onde, não sei
que ainda conto
apoiado atrás da árvore
com o rosto
mergulhado
nos braços