28 de setembro de 2011

Momento Epistêmico

Gotas ácidas em uma geleira
Ali, caem de baixo para cima
O vapor logo condensa
Pinga na base da minha doutrina
Como roendo os ossos
Uma barra de prisão se corroe
                                    e diminui
Com uma dor segurada entre
                                      os dentes
E o alívio de uma bela
             mijada
Algo se solta
   E aquela dor
                          imensa
e    aquele   alívio
    tanto anunciam a segurança
                         o medo
quanto o abismo
     infindável
                     inevitável
          da liberdade

25 de junho de 2011

Cheio de vazios e vibrações

Bate hora e a Lua grita - no céu dos corações noturnos, ao menos. Se a chuva não nos permitiria vê-la, igual a batida que cada gota dá soa uma sinfonia - cada toque minúsculo como um embalo, a mistura vira plena inquietância. Quem mais senão a Lua? Fazer a chuva em dia frio inquietar corações?

É um fluxo difícil de entender. Pulsar que vai para frente e respirar que vai para trás. Fico grato por não ter cabeça de correr atrás duma história definida - ou série de rótulos quaisquer.

Devo estar sofrendo de vazios.

Algo, porém, difere. Interessantemente, difere. Pulsa a mesma batida inquieta, quando os retumbares puxam pra mais de um lado a um só tempo.

São vazio dos quais eu não imediatamente corro.

Antes, eles vem do campo para o qual justamente sai, disposto a explorações. Canto do mapa, parte em núvens e pequenos desenhos, que o mapa insinuava como perigoso e pequenino.

Nada. A sede de uma região não mapeada parece apontar dimensões imensas. Muito maiores do que as conhecidas, desde que se atente para a única forma de navegá-las: não mapeá-las, não defini-las, mas entender que todas suas referências são meras brincadeiras do acaso.

Então, aí estão esses vazios... Vazios que trazem gostos, familiarmente desconhecidos. Vazios que trazem espaços... Vazios que trazem ânsia e também alívio.

Tatear o intocável. Rondar o mundo sem dar nomes. Cheirar e pelo cheiro seguir.

Trazer às organizações feitas da vida a racionalidade do olfato.

Navegar como um cachorro ao vento, um gato ao muro... e latir bravo, e escapar rápido a qualquer apelo que peça, amedrontado pelo frio do vazio e a inconstância das marés,

o calor calculado de um porto seguro.

23 de junho de 2011

De Sistemáticas & Da Vida

Nós temos que nos lembrar da vida humana em meio aos nossos sistemas mercantis. Criamos estratégias para isso, mas essas se perdem como incômodos do sistema, ou como passos para nos assegurar que não entremos em outro sistema - como o jurídico, ou o criminal (se é que alguma vez saímos de um sistema, não é... como não estar dentro do sistema jurídico, mesmo do que ele considera legal, ou então do que lhe escapa? Como não estar no sistema criminal, mesmo por aquilo que é definido como "não crime"? Uma sociedade formada por categorizações que conduzem a sistemas que conduzem a vida por caminhos pavimentados, por calhas endurecidas, funciona assim, e então vivemos tentando nos encaixar naquilo que nos é mais confortável ou, como é minha busca, escapar a esses encaixes).

Então as estratégias ficam apreendidas nessas sistemáticas, nessas precauções, e perdem-se enquanto sinalizações daquilo que poderia ser mais óbvio: que agentes & sujeitos dessas ações são seres humanos, e mesmo antes e depois disso são vidas, e que o que se faz sempre é relação humana - ou, antes e depois disso, é ponte para a vida ser expressa. Como, junto ou fugindo dos sistemas, se vive o vivo?

8 de maio de 2011

Por um nomadismo contemplativo

Tudo anda tão rápido. A aparência é de uma vida que vem de fora, de estruturas e organizações que pressionam e puxam simultâneamente. As respostas são multitudes de falas, a prodção incessante de discursos, que tentam dar conta da vida apreendida pelo fazer do ter de fazer.

É preciso tomar o tempo em uma produção de diminuição de velocidade. É preciso tomar as falas pela necesidade de respiros, de tomar os discursos pelo estado de silêncio. Largar mão dos absolutos e só apreender a vida através de dinâmicas de incerteza.

Assim, escrever como quem cruza fronteiras, tantas e tantas vezes, até que se retome os ambientes como espaços intraçáveis. E entõ que a própria visão visão de fronteira desapareça... e ela se torne, no máximo, um litoral.

5 de maio de 2011

De suor e casacos

Camadas de casacos e corpo suado. Rosto vermelho, amassado; testa marcada de toca e presilha de capacete. Leve cheiro de graxa nas mãos, que ficou do guidão da última vez que a correia caiu.

Resgato um devir-motoqueiro desse enfrentamento entre meu corpo quente e o ar frio pelo qual passo. Resgato essa impetuosidade, esse colocar-se pelo se colocar a parte. E resgato meu próprio corpo, usina de calor a cada pedalada.

Ao mesmo tempo, me inspiro no devir-motoqueiro para instaurar um lugar diferenciado daquele colocado a quem anda de bicicleta. Fujo da fragilidade, da meninice colocada como futilidade para a meninice como leveza e prazer. Da idéia de vagabundagem para o convite à ação.

Pedalo no frio de Porto Alegre suando feliz por debaixo dos casacos. Golpeio as idéias, destruo as clausuras, rio do inapropriado - meu corpo suaria igualmente bem de gravata. Luto sem disparar uma única arma: canto ao passar pelos carros enlatados. Brado a liberdade à liberdade.

Sorrio enquanto tantos, seguindo o correto, se engavetam.

texto postado simultaneamente em

10 de abril de 2011

Como escrevo?

1) Por necessidade.

2) Como faço um exercício (corporal) novo. E, a cada vez, estou pelo menos um pouco, ou então muito, fora de forma.

3) Como flerto com uma mulher, com a qual não falarei.

4) Como imagino flertar com uma mulher.

(Os textos criados pelo método 4 costumam ser sumariamente apagados.)

9 de abril de 2011

Como planejo uma viagem?

Toda viagem que faço é um mundo que crio.

Gasto tanto tempo planejando quanto esquecendo o planejamento ativamente. Guardo o dinheiro da volta, meu único apego irresolvível - além da câmera fotográfica e, se for a ocasião, da bicicleta.

Lembro constantemente de que todos os sonhos hão de ser vividos não como sonho, mas como realidade, e que minha disposição corrente os remoldará a cada momento. Mas sonho de qualquer jeito. Me divirto inventando engenhosidades sobre o que levar, me desafio quanto a pesos e quantidades - mirando o pouco e efetivamento o muito. Gosto de estar em situações ditas precárias de maneira intimamente confortável.

Todo planejamento de viagem me questiona por que não viajo mais; e então me questiona por que não viajo sempre. Toda volta torna mais nítido que nenhuma viagem acaba e que a volta faz parte dela (até que a ilusão de cotidiano tome conta). Mas todo planejamento inspira o final de qualquer planejamento - que não o sonho - e uma vida na estrada, feita estarda, seria o cume desse monte.

Toda viagem se torna minha companheira.

Não tenho vontade de contar sobre as viagens que faço, além de uma ou outra imagem.

Texto inspirado em um exercício
de aula de Metodologia.
A provocação, dita após,
era pensar na pesquisa
como uma viagem.
Fico pensando no que
diria a professora,
se o lesse.

8 de abril de 2011

Escorre
de meu corpo
morre

Sai por saliva
pelo suor
pelas
ideias

Escorre
fica como poça

Sigo

De soslaio
a poça
me
reflete

7 de abril de 2011

"Uma imagem narrativa"

Escrever como quem tira fotos. Numa tentativa vã de capturar tudo de uma cena, que pela repetição da espectativa de captura frustrada, torna-se esperança. Que recua da documentação da verdade para a composição do olhar, e depois recua um tanto mais. E, dessa subtração esperançosa, pode paradoxalmente trazer tanto mais de vida, não capturada, mas liberta e sempre pulsante.

Assim, bater fotos como quem escreve. E igualmente entender que a descrição extensiva mais facilmente torna-se enfadonha do que capaz de transparecer a vida que se tenta alcançar quando da vontade de escrever. E que, mesmo pela via descritiva, conseguimos chegar é a contornos: e tanto melhor nos entregarmos a eles.

O mais cedo que paremos de escrever e comecemos a desenhar com palavras; o mais cedo que paremos de tentar capturar imagens, mas poetar com elas; tanto melhor para que o espírito dance.

O título desse post foi retirado da fala de 
a respeito do fotógrafo
Luis Carlos Felizardo, o Feliz,
durante a exposição-encontro 
5º FestFotoPoa -
agorinha há pouco.

6 de abril de 2011

4 de abril de 2011

O único lugar em que
quero estar
é no presente.

Mas é longe. Muito longe.

São séculos criando montanhas
de passado
e de futuro.

2 de abril de 2011

Autômato

Danço uma dança
de passos rápidos
certos

Danço uma dança
marcada

Se toca música
não sei
não canto:
conto

Danço uma dança
não dançada

Deixei meu corpo.
Virei máquina.

29 de março de 2011

Urbanidade

Para Pedro Lunaris

Saio para a rua e encontro o campo:
As avenidas sem calçadas
São largas como o olhar e pavimentadas
De verde vivo.

Os bancos de pedra são de pedra
E os bancos de madeira,
De madeira, enraizados e abanando
Aos passantes e à brisa brejeira.

Uma perdiz acha meu olhar:
Bom-dia!
Bom-dia!
Por isso que jamais poderia caçar...

O cachorro alonga meu olfato,
Cheirando a hora do chimarrão e a hora do sol:
Bom-dia!
Bom-dia... ─ diz ao sol
Se espreguiçando, com voz emprestada não sei de onde...

O gato passa por entre as minhas pernas,
Diz seu bom-dia com os pelos.
Bom-dia! ─ respondo-lhe ─.
Vejo-o entrar no porão da casa
Para se despedir da noite.
É o único da casa que se lembra disso.
Por isso que a noite nunca é ingrata...

O porco se limpa na lama e me diz
Bom-dia!
Bom-dia!
Trocamos vozes agora, depois
Que provei que não há mais
Presunto aqui em casa...
Fizemos as pazes e agora a cumprimos
Nos cumprimentos!

Até a casa me diz bom-dia, com voz
De chaleira!
A janela do meu quarto
Emoldura um retrato feliz,
Para dentro e para fora.
A cortina pisca para mim, agora.

À noite, no escuro, retribuirei com juros.
Ela sabe e sorri mais ainda, acariciando a janela.

Toda minha fazenda me cumprimenta, agora
Que aprendi o que significa urbanidade.

Entro no carro. E enquanto dirijo até o trabalho,
Pergunto-me o que posso fazer
Para que a urbanidade de hoje
Volte a ser como era antes...

Poema de André Castro

28 de março de 2011

De uma carta de outros tempos

Hoje de manhã cheguei em casa. A caixa de correios pingava com a chuva. Dentro, um papelzinho quase nada enrolado.

Propaganda, pensei. Nada. Não era.

Uma folha de caderno. A data de 5 anos atrás. O nome assinado não conheço. A temática, sim.

De deixar a gente pensando, levado pelas gotas de chuva desse dia.