20 de dezembro de 2004

Ação Global

Vamos para todos os
lados
para que não haja lados
tanto quanto há direções
Vamos para todos os lados
para que sejamos mais
do que somos
do que podemos ser
Por entender a vida como
algo ilimitável
Vamos para todos os
lados
Para que existam
lugares
aonde se possa chegar

16 de dezembro de 2004

desaparições

me é comum pensar no desaparecimento como uma forma de ação política, uma possibilidade de intervenção, ou uma tática que possibilita a intervenção. creio que em mais de um livro da Baderna isso aparece, uma forma de agir, o desaparecer como a ação dos homens sem-rosto (e por aí vão Luther Blisset & Wu Ming, e até mesmo os zapatistas). mas aí me deparei com o Galeano, no seu triste e belo livro "Dias e Noites de Amor e de Guerra"... e aí me dei conta, com um frio na barriga, dor no coração, arrepio nas costas, que há outros desapareceres, e que cabe termos idéia deles, pensarmos neles, quando estamos exercendo nossa artepolítica cotidiana... em verde, as palavras são minhas, metidas pensadoras remetidas ao texto:

"Nas câmaras de tormento, os torturadores almoçam na frente de suas vítimas. [lembra a vocês os belos jantares em restaurantes envidraçados?] As crianças são interrogadas sobre o paradeiro de seus pais; os pais, pendurados e eletrocutados para que digam onde estão seus filhos. [a TV faz da possibilidade do ato um crime; a vigia hoje me parece mais subjetiva, sutil, e na aparente repressão reduzida está um peso incômodo. falta companheirismo nas famílias, falta um compartilhar, sobra o medo do risco do moderno, de todas essas coisas que ameaçam nas novelas e jornais. uma certa paranóia cultural de substância e explicidade diferentes] Noticiário de cada dia: "Indivíduos vestidos de civil com os rostos cobertos por máscaras negras... Chegaram em quatro automóveis Ford Falcon [N. do T.: Veículo utilizado pela polícia civil na Argentina]... Todos estavam fortemente armados, com pistolas, metralhadoras e carabinas... Os primeiros policiais chegaram uma hora depois da matança". [fico pensando que a mídia nem chega tão perto hoje em dia...] Os presos, arrancados das prisões, morrem na lei da fuga ou em batalhas onde não há feridos nem baixas do lado do exército. Humor negro de Buenos Aires: "Os argentinos", dizem, "estamos divididos em enterrados e desterrados". A pena de morte foi incorporada ao Código Penal em meados de 1976; mas no país se mata todos os dias sem processo ou sentença. Em sua maioria, são mortos sem cadáver. [e mortos de fome, de frio, de abandono...] A ditadura chilena não demorou em imitar esse procedimento bem sucedido. Um único fuzilado pode desencadear um escândalo mundial: para milhares de desaparecidos, sempre resta o benefício da dúvida. [quando o poder ficou menos pontual e mais nômade, globalizado, essa possibilidade de escândalo mundial reduziu em muito; ainda há os clamores internacionais que geram resultados - os zapatistas tiveram sua guerra aliviada em muito com a visibilidade que alcançaram, o apoio de fora de seu país -, mas ele é um tanto mais difícil quando absorvido pelos meios normais de denúncias, pela burocracia, e pela mídia institucionalizada, marionete.] Como na Guatemala, parentes e amigos realizam a perigosa peregrinação inútil, de prisão em prisão, de quartel em quartel, enquanto os corpos apodrecem nos baldios e nos depósitos de lixo. Técnica das desaparições: não há presos que reclamar nem mártires que velar. Os homens, a terra engole; e o governo lava as mãos: não há crimes que denunciar nem explicações para dar. Cada morto morre várias vezes e no final só resta, na alma, uma névoa de horror e incerteza." [a hegemonia me parece menos forçada hoje; o poder, não sendo mais tão claro, aproxima-se do poder cultural: é o poder da subjetivação. não há presos a reclamar porque está claro para todos que, se está preso, por mais injusto que isso sinta, é o jeito que as coisas são, justiça clara. medo do caos? estamos entregues...]

7 de dezembro de 2004

cotidiano

- Sinto uma angústia terrível cada vez que mato um mosquito...
- Por que você não pára de fazer isso, então?
- Ué? Me disseram que é o correto!

9 de novembro de 2004

Amor Louco (AL)

Na falta de inspiração ou tempo, resolvi reproduzir aqui um dos textos - mais - lindos do Hakim Bey e que não encontrei em português na íntegra na Internet ainda... (Retratando...) Só pra fazer um link, nesse texto ele me dá a forte e gostosa impressão de misturar seu anarquismo ontológico com Osho com Roberto Freire com Reich... enfim, deliciosos gozos libertários...


O AMOR LOUCO NÃO É uma social-democracia, não é um parlamentarismo a dois. As atas de suas reuniões secretas lidam com significados amplos, mas precisos demais para a prosa. Nem isso, nem aquilo - seu Livro & Emblemas treme em suas mãos.

Naturalmente, ele caga para os professores & para a polícia, mas também despreza os liberais & os ideólogos - não é um quarto limpo & bem iluminado. Um topógrafo embusteiro projetou seus corredores & seus parques abandonados, criou sua decoração de emboscada feita de tons pretos lustrosos & vermelhos maníacos membranosos.

Cada um de nós possui metade do mapa - como dois potentados renascentistas, definimos uma nova cultura com a nossa excomungada união de corpos, fusão de líquidos - as fronteiras imaginárias de nossa cidade-Estado se borram com o nosso suor.

O anarquismo ontológico nunca retornou de sua última viagem de pesca. Conquanto ninguém nos denuncie para o FBI, o CAOS não se importa nem um pouco com o futuro da civilização. O amor louco procria apenas por acidente - seu objetivo principal é engolir a Galáxia. Uma conspiração de transmutação.

Seu único interesse pela Família está na possibilidade do incesto ("Amplie o seu Eu!", "toda pessoa é um Faraó!") - Ó, mais sincero dos leitores, semelhante meu, meu irmão/irmã - & na masturbação de uma criança ele encontra, oculta (como uma caixa-surpresa japonesa com flores de papel), a imagem do esfarelamento do Estado.

As palavras pertencem àqueles que as usam apenas até que alguém as roube de volta. Os surrealistas se desgraçaram ao vender o amor louco para a máquina de sombras do Abstracionismo - a única coisa que procuraram em sua inconsciência foi o poder sobre os outros, & nisso foram seguidores de Sade (que queria "liberdade" apenas para que homens brancos & adultos pudessem estripar mulheres & crianças).

O amor louco é saturado de sua própria estética, enche-se até as bordas com a trajetória de seus próprios gestos, vive pelo relógio dos anjos, não é um destino adequado para comissário ou lojistas. Seu ego evapora-se com a mutabilidade do desejo, seu espírito comunal murcha em contato com o egoísmo da obsessão.

O amor louco pede uma sexualidade incomum, da mesma forma que a feitiçaria exige uma consciência incomum. O mundo anglo-saxão pós-protestante canaliza toda sua sensualidade reprimida para a publicidade & divide-se entre multidões conflitante: caretas histéricos versus donas promíscuas & ex-ex-solteiros. O AL não quer se alistar no exército de ninguém, não toma partido na Guerra dos Sexos, entedia-se com os argumentos a favor de iguais oportunidades de trabalho (na verdade, recusa-se a trabalhar para ganhar a vida), não reclama, não explica, nunca vota & nunca paga impostos.

O AL gostaria de ver todo bastardo ("filho natural") chegar no fim de sua gestão & nascer - o AL vive de aparelhos antientrópicos - o AL adora ser molestado por crianças - o AL é melhor que preces, melhor que sensimilla - o AL leva para onde for suas próprias palmeiras & sua própria lua. O AL admira o tropicalismo, a sabotagem, a break dance, Laila & Majnun, o cheiro de pólvora & de esperma.

O AL é sempre ilegal, não importa se disfarçado de casamento ou de um grupo de escoteiros - sempre embriagado no vinho de suas próprias secreções ou de fumo de suas virtudes polimorfas. Não é a deterioração dos sentidos, mas sim sua apoteose - não é o resultado da liberdade, mas seu pré-requisito. Lux et voluptas.

14 de outubro de 2004

suspiro

Nomes. Nomes & números. Nessas épocas, é tudo que se vê por aí, em letra, cor e som, parados e em movimentos, todos suplicando por uma atenção, espaço na mente. E, para tanto, inflam e sufocam nossos sentidos. Nomes, números & promessas.

As eleições são um desespero. Ser político é uma profissão bem paga, e isso tudo soa muito como um grande concurso público. Só que os juizes é que tem de serem escolhidos. Não há técnica baixa nesse caso: sua função é chegar lá. Se justificam com o que deveriam representar. E então, fazem o que podem, e há de se entender que tudo é muito complicado, há muitos compromissos, filiações, tudo funciona dentro de um delicado jogo de poder no qual tenta-se atuar.

Nem falo dos preguiçosos, dos atirados, dos pretendentes a deliciosa teta pública. Quem quer simplesmente estar lá cabe muito bem dentro da situação, ocupa espaços, assina documentos e serve direitinho de marionete voluntária. As recompensas são mesmo altas. Já os que de coração lutam pelo que acreditam, tem ao seu acreditar milhões de amarras burocráticas muito bem atreladas. Há um jeito para as coisas funcionarem. A malha aonde sentam suas bundas ou esperneiam é incorpórea, e mesmo assim envolve forte. Os que tem seus músculos doídos por ela estão de fato tentando, e é por glória desses que a malha não nos prende mais ainda. E no centro da própria engrenagem lutam por inventar a contra-mola que resiste.

Mas nessa época de nomes e números, uma dor passa por todo de mim. Sufocado, sinto nesse mundo que é justamente o inominável, o inquantificável, que precisa de atenção. Vem uma angústia viva buscando esperançosa por uma expressão energética que nos alivie, pela possibilidade da atuação sensível, pelo que mude pela sinceridade em contrapartida ao costume, por uma forma diferente de serestar. Afinal, este mundo é possível + todos os mundos que ele é e que dele são. E estamos vencendo.

2 de outubro de 2004

"Experimentar o Experimental"

A experimentação torna-se imprescindível na busca de um viver menos rígido. Para Nietzsche saúde é “aquela madura liberdade do espírito que é também auto-domínio e disciplina do coração e permite os caminhos para muitos e opostos modos de pensar, (...) que excluí de si o perigo de que talvez o espírito porventura se perca em seu próprio caminho, (...) aquele excedente que dá ao espírito a perigosa prerrogativa de viver o ensaio e poder oferecer-se à aventura: a prerrogativa de maestria do espírito livre”. É difícil muitas vezes pensar na prática tais orientações, mas acho que é a maneira que pensamos que dificulta, isso por que queremos extrair alguma instrução de como agir, enquanto na verdade a única instrução é a não-instrução.
A racionalidade que foi tão bravamente conquistada pelos homens não é compatível com essa busca, não que ela não seja importante e utilizável, porém precisa ser reduzida para deixar surgir o espírito livre. É complicado saber em o que acreditar hoje em dia, são muitas as informações, às vezes nos sentimos perdidos precisando nos agarrar em alguma coisa que sustente nossa vida. Antigamente as verdades eram impostas (sociedade disciplinar), os papéis bem delimitados, atualmente temos uma quantidade infinita de pontos de vista, de possibilidades de escolha e opinião. Perdidos nesse emaranhado de informações acabamos nos agarrando em uma só verdade para sustentar nossa vida, enrijecendo nossos pensamentos e atitudes. Ou então, desesperados por satisfazer o vazio interno, corremos atrás de respostas que parecem desaparecer toda vez que chegamos perto delas, como alucinações no deserto. Por isso que quando Deleuze e Guattari comparam o capitalismo e a esquizofrenia, não o fazem por acaso. Toda a organização social pós-moderna (de controle) é “esquizofrênizante”, pois ela vende a idéia de liberdade em produtos e práticas que são, na verdade, totalmente escravizantes. Nos são passadas, através de diversos veículos de comunicação, mensagens totalmente contraditórias. “O ser humano livre é o ser humano atualizado”; assim ficamos correndo atrás de uma máquina produtora de desejos que não são, nem de perto, nossa necessidade. O consumo se tornou uma rotina, precisamos dele e ele de nós. A busca pelo novo acaba sendo uma ilusão, pois logo ele se torna velho e, então lá vamos nós atrás de algo mais novo. O modo de organização social nos puxa para fora de nosso ser, deixamos de nos ouvir, enquanto o novo se encontra dentro de nós mesmos, na espontaneidade de nosso espírito. “Oh homens da cidade, tem lodo no fundo da alma; e coitados deles se seu lodo possui inteligência! Se ao menos fossem animais completos! Mas para ser animal é preciso inocência”. (Nietzsche, Assim falou Zaratustra, 1885, p.55).
Cada pessoa tem a sua realidade, ou melhor, constrói a sua. Um esquizofrênico tem suas alucinações e delírios, são o que o sustentam, o mantém vivo, é a maneira que ele encontrou para ser, ainda que patológica. Ter a capacidade de transitar pelos delírios e alucinações da sociedade é uma experiência de autonomia, podendo filtrar suas mensagens subliminares, ouvindo nossa voz interior. Viver como um estrangeiro dentro de sua própria cultura, se deixando admirar pelo velho, não apenas seduzir pelo novo. Cada ser humano tem um satélite na cabeça e é dele a responsabilidade sobre a sua transmissão.

21 de setembro de 2004

feito Vinícius

Mulheres. Cada curva, um mistério e um convite inevitável para essa pele sensível. Tão impressionantes, apaixonantes, deliciosas...

As mulheres são a doce promessa dessa vida. A esperança de cada suspiro. O motivo pelo qual eu salivo, o porquê que eu vivo, meu sonho constante, único em cada pessoa-corpo que me encanta.

Malditas adoráveis: fazem de mim puro desejo. Se entendessemos os toques como tão comprometedores quanto os olhares, eu seria mais feliz, realizado: viveria dentro das calças e das blusas, debaixo das saias e nos gemidos...

Sim, eu queria viver em um mundo onde fosse permitido apaixonar-se sem deixar de ser um apaixonado. E, enquanto a cultura não comporta, fico feliz na transgressão.

14 de setembro de 2004

das crianças

As crianças são emolduradas. Padrões de expressão, jeitos de ser que as tornam menos indivíduos, por isso mais toleráveis pelo resto de nós. Suas maneiras de estar no mundo são podadas até que fiquem aceitáveis, e sua educação se faz, então, sempre pelo embate, combate, conflito de um interesse com uma forma de ser. Estimulamos a relação por papéis desde cedo, fugindo daquilo que é mais cada um. Não deveríamos ficar contentes com bons comportamentos, mas sim com expressões genuínas. Mas fomos ensinados a sermos adultos e não termos paciência com indivíduos. Deveríamos ficar contentes e satisfeitos com aquilo que nos faz felizes, e ao maior número de pessoas possível. Deveríamos estar implicados com essas crianças, e não com o correto, e não com nossos papéis. Nossas funções deveriam se adaptar aos nossos corações e nossas barrigas; só ganhamos teias de aranha, tédio, apodrecimento e rancor com o que está estipulado, instituído, paralizado. As crianças são nossas maiores vítimas.

11 de setembro de 2004

Caro I.:

Te escrevo isso de caneta e papel, frente ao fogo, escutando Björk, pós-pôr-do-Sol + abertores de portas (chaves; máquinas redutoras da eficiência cerebral). Um momento analógico para ser estetizado eletrônico. Rizoma, corpo sem órgãos (CsO).

É que pensei nisso: por que não investir em um corpo eletrônico? Por que não jogar na possibilidade da lenda ("torne-se uma lenda"), devir-lenda? Na estética da comunicação e do compartilhamento?

(Poderia um romance ser uma forma aceitável de Terrorismo Poético?)

Que tal? Criar aqui um dispositivo de engrandecimento dos indivíduos?

Não que eu esteja falando de um anarquismo individual (aliás, é justamente isso que eu estou falando, se você esquecer a denominação estética categorizante que congela cada coisa numa coisa só). Os grupos, os coletivos, são igualmente importantes. Penso apenas que, se tratarmos dos indivíduos - e essa é uma mídia individual, o que alguns confundem com profundamente pessoal, o que absolutamente não é. A web é um espaço frio, quase aterritorializável (o que faz dela um lugar perigoso, pois há sempre uma tentativa de territorialização, e por essas bandas elas acabam sendo violentas) - enfim, se tratarmos dos indivíduos e da comunicação / capacidades de compartilhamento / estética (por sobre os quais anda o potencial de encontro), chegaremos inevitavelmente nos grupos, coletivos, grupalizações.

É que não adianta combater a zumbificação do Espetáculo com algo que se aproxime a um Para-Espetáculo: é repetição de técnica! E isso não nos serve... A liberdade só se encontra nos acontecimentos, nossas pequenas e grandes Iluminações, os momentos de total entrega e criação completa - quando nos tornamos mais do que nós mesmos. Esse espaço aqui pode ser uma técnica, uma ferramenta calcada no toque do compartilhamento, naqueles momentinhos em que algo se move dentro de nós - CLIC! -, um expansor da mente, outro estado de consciência... uma das muitas coisas que ajudam no processo de criação do transcedental, que acontece o tempo todo.

E então... que tal?