6 de dezembro de 2006

Falo com Saco Cheio

Acho a psicanálise um saco cativante. Uma grande chatisse inspiradora. E, inevitavelmente, uma praga, com potência de ironia criadora.

Quer dizer, o cara vai lá e cria uma série de metáforas familiares para explicar fantasticamente o desenvolvimento do sujeito e enfim conseguir lidar com ele na clínica. Acho ótimo que sejam metáforas meio perversas, porque de quebra sugerem um Além do Bem e do Mal, já te dizem que a sexualidade é livre, não moral, e essa é a questão crucial da qual deve-se desviar: não escute enquanto Juiz, mas enquanto deslocador (e me falta palavra melhor). De quebra, são um manifesto ontológico-estético e cagam e riem da moral burguesa.

Exceto que são levadas a sério. E as criaturas não param de procurar o Diabo do Édipo, ou mesmo o tal do estágio do espelho (e só falta colocar o sujeito diante de um como terapia ou formulação de diagnóstico). E quando a gente menos espera estão todos palestrando a respeito, realmente seguros do que falam, cheios de livros e pastas, de compreensões e esse olhar imenso de quem, afinal de contas, só acompanha. Olhar que diz não me ligo nos discursos per se, pode falar em um rosto de quem não para de discursar.

Saudavelmente, acredito nisso tudo com muita graça. Não num sentido de requinte (até vá lá, quem sabe): acho mesmo muito engraçado. Às vezes o que me bate é o machismo de todo esse Papo de Falo, mas o segredo é que não há como argumentar a respeito de nada disso, porque a psicanálise é muito bem construida, e é feita no plano dos argumentos. (Se deixar, a psicanálise é puro Samsara. Pode não ser científica, mas é o ápice da ciência. É uma Ode da racionalidade ocidental. É a glória da lógica burguesa - e isso não é estranho?)

Pra mim, tão bem construido quanto seja a partir do ponto do qual parte, é simplesmente tudo arbitrário. Esse ponto não faz sentido se não for contextualizado. Com os preceitos de uma busca, não se faz escola, se faz busca. E acontece que praticamente só se anda sob o Império do chão de alguma outra pessoa.

Essa revolução estética já é uma caretice. Seu jeito de explicar mais frequentemente enclausura do que propicia a criação livre e algo interessante (e na verdade é lindo quando isso acontece). Se as pessoas se defendem são um porre, e me parece que nesse campo anda-se defendendo as mesmas coisas há um século. Nesse sentido, seguidores são muito chatos.

A psicanálise é um saco. Pobrezinha... sofre de psicanalistas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Pessoas são um saco...mas o mais interessante é esse teorizar, definir sobre um mundo onde tudo é tão vasto...um recorte da realidade esta psicanálise! Interessantíssima sobre certos aspectos, mas realmente, muito suscetível das pessoas... somos isso somos aquilo? Um devir eterno...mas queno fim das contas...acaba no Édipo?

Marília disse...

Que bom poder escolher as lentes com as quais vemos o mundo e as pessoas, e seja quais forem, poder inventar com elas.

Para mim, uma boa teoria é aquela que te permite criar. O enclausurar-se parece um risco visível: é tentador achar uma boa explicação para a vida e fiar-se nela com toda a devoção. Da ciência ou pseudo-ciência e a fé cristã, poucos passos.

A psicanálise me encanta e instiga, mas certamente não a tenho como O saber. Afinal, me parece que O saber não existe.

O Real é esse 'além de tudo' que foge do nosso controle e arbítrio... e que, para suportar o não-saber do mundo, inevitavelmente temos de nos haver com ele.

Beso!

Anônimo disse...

não se afunde em conceitos, mas quero te dizer mais.

Pedro Lunaris disse...

e existe.

apenas que me soa pós-moderno: pop-psicologia não é mais coisa de corrente, mas de visão de mundo, e com quem você fala, é claro, e quem você lê.

o melhor exemplo é o exemplo do exemplo.

um dia um certo professor da UFF chamado Eduardo Passos dissertou sobre a clínica. nem sei se a idéia foi dele, porque na pop-psicologia muito se faz em cima do que Os Maiores fizeram. mas Seu Edu foi lá falar que a idéia primeira da Clínica vem de uma palavra em latim ou em grego da qual não me lembro mais. segundo o exemplo corrente, repetido milhões e milhões de vezes por aí (e é sério mesmo, eu já o escutei inúmeras vezes, mudando de estado e tudo), a palavra original que deu origem à expressão e à idéia de Clínica significava algo como "cuidado". enquanto que Seu Edu estava propondo que nos inspirássemos em uma outra palavrinha, "Klinamen", que significaria "curvar-se", pra dar essa idéia de quem faz clínica se curva sobre seu paciente.

pff, ledo engano.

o exemplo corrente é uma repetição da lógica antiga, infecta feito vírus nas colunas sociais da pop-psicologia. a palavra original "Clínica" é que significa "curvar-se". "Klinamen" significa o menor desvio necessário e possível que um elétron tem que fazer para criar uma órbita nova, ou algo assim. mas é essa a idéia da "Nova Clínica" que Seu Edu trazia: cause um pequeno desvio, esteja lá para fazer um cutucão invísivel, modesto, a menor coisa necessária, mas ajude nesse deslocamento.

pop-psicologia. o papo é bom, mas é necessário notar se, quando eles andam, o fazem olhando pra frente ou rebolando pras câmeras.

E Deleuze não queria seguidores. Heheheheheheh...

alice disse...

ô tópico bom esse. tem a ver com que andei escrevendo.

Edu Passos, Regina, pessoalzinho criativo. Criemos, pois. Mais que pop-psicologia, político-psicologia - que é, no fim das contas, o inevitável. Não a que debruça-se sobre subjetividade... ela mesma as produz! Que tenhamos ética, entonces. Ética dos possíveis da vida em sua multiplicidade.

Se com Deleuze tenho um relacionamento, com a Psicanálise tenho um casinho. A filosofia de diferença permite a relação aberta... O melhor é ler Freud depois dos anos 20 e os cabeções também lá do Rio, tipo Birman, que fazem ventar e mudam os destinos pra além do Édipo. Sim, existe mais psicanálise pra além dele!
Ando assim, de cupido dessas visões de mundo.

A melhor fofoca desses dias foi que o pai do Édipo era gay.