14 de outubro de 2004

suspiro

Nomes. Nomes & números. Nessas épocas, é tudo que se vê por aí, em letra, cor e som, parados e em movimentos, todos suplicando por uma atenção, espaço na mente. E, para tanto, inflam e sufocam nossos sentidos. Nomes, números & promessas.

As eleições são um desespero. Ser político é uma profissão bem paga, e isso tudo soa muito como um grande concurso público. Só que os juizes é que tem de serem escolhidos. Não há técnica baixa nesse caso: sua função é chegar lá. Se justificam com o que deveriam representar. E então, fazem o que podem, e há de se entender que tudo é muito complicado, há muitos compromissos, filiações, tudo funciona dentro de um delicado jogo de poder no qual tenta-se atuar.

Nem falo dos preguiçosos, dos atirados, dos pretendentes a deliciosa teta pública. Quem quer simplesmente estar lá cabe muito bem dentro da situação, ocupa espaços, assina documentos e serve direitinho de marionete voluntária. As recompensas são mesmo altas. Já os que de coração lutam pelo que acreditam, tem ao seu acreditar milhões de amarras burocráticas muito bem atreladas. Há um jeito para as coisas funcionarem. A malha aonde sentam suas bundas ou esperneiam é incorpórea, e mesmo assim envolve forte. Os que tem seus músculos doídos por ela estão de fato tentando, e é por glória desses que a malha não nos prende mais ainda. E no centro da própria engrenagem lutam por inventar a contra-mola que resiste.

Mas nessa época de nomes e números, uma dor passa por todo de mim. Sufocado, sinto nesse mundo que é justamente o inominável, o inquantificável, que precisa de atenção. Vem uma angústia viva buscando esperançosa por uma expressão energética que nos alivie, pela possibilidade da atuação sensível, pelo que mude pela sinceridade em contrapartida ao costume, por uma forma diferente de serestar. Afinal, este mundo é possível + todos os mundos que ele é e que dele são. E estamos vencendo.

2 de outubro de 2004

"Experimentar o Experimental"

A experimentação torna-se imprescindível na busca de um viver menos rígido. Para Nietzsche saúde é “aquela madura liberdade do espírito que é também auto-domínio e disciplina do coração e permite os caminhos para muitos e opostos modos de pensar, (...) que excluí de si o perigo de que talvez o espírito porventura se perca em seu próprio caminho, (...) aquele excedente que dá ao espírito a perigosa prerrogativa de viver o ensaio e poder oferecer-se à aventura: a prerrogativa de maestria do espírito livre”. É difícil muitas vezes pensar na prática tais orientações, mas acho que é a maneira que pensamos que dificulta, isso por que queremos extrair alguma instrução de como agir, enquanto na verdade a única instrução é a não-instrução.
A racionalidade que foi tão bravamente conquistada pelos homens não é compatível com essa busca, não que ela não seja importante e utilizável, porém precisa ser reduzida para deixar surgir o espírito livre. É complicado saber em o que acreditar hoje em dia, são muitas as informações, às vezes nos sentimos perdidos precisando nos agarrar em alguma coisa que sustente nossa vida. Antigamente as verdades eram impostas (sociedade disciplinar), os papéis bem delimitados, atualmente temos uma quantidade infinita de pontos de vista, de possibilidades de escolha e opinião. Perdidos nesse emaranhado de informações acabamos nos agarrando em uma só verdade para sustentar nossa vida, enrijecendo nossos pensamentos e atitudes. Ou então, desesperados por satisfazer o vazio interno, corremos atrás de respostas que parecem desaparecer toda vez que chegamos perto delas, como alucinações no deserto. Por isso que quando Deleuze e Guattari comparam o capitalismo e a esquizofrenia, não o fazem por acaso. Toda a organização social pós-moderna (de controle) é “esquizofrênizante”, pois ela vende a idéia de liberdade em produtos e práticas que são, na verdade, totalmente escravizantes. Nos são passadas, através de diversos veículos de comunicação, mensagens totalmente contraditórias. “O ser humano livre é o ser humano atualizado”; assim ficamos correndo atrás de uma máquina produtora de desejos que não são, nem de perto, nossa necessidade. O consumo se tornou uma rotina, precisamos dele e ele de nós. A busca pelo novo acaba sendo uma ilusão, pois logo ele se torna velho e, então lá vamos nós atrás de algo mais novo. O modo de organização social nos puxa para fora de nosso ser, deixamos de nos ouvir, enquanto o novo se encontra dentro de nós mesmos, na espontaneidade de nosso espírito. “Oh homens da cidade, tem lodo no fundo da alma; e coitados deles se seu lodo possui inteligência! Se ao menos fossem animais completos! Mas para ser animal é preciso inocência”. (Nietzsche, Assim falou Zaratustra, 1885, p.55).
Cada pessoa tem a sua realidade, ou melhor, constrói a sua. Um esquizofrênico tem suas alucinações e delírios, são o que o sustentam, o mantém vivo, é a maneira que ele encontrou para ser, ainda que patológica. Ter a capacidade de transitar pelos delírios e alucinações da sociedade é uma experiência de autonomia, podendo filtrar suas mensagens subliminares, ouvindo nossa voz interior. Viver como um estrangeiro dentro de sua própria cultura, se deixando admirar pelo velho, não apenas seduzir pelo novo. Cada ser humano tem um satélite na cabeça e é dele a responsabilidade sobre a sua transmissão.