13 de junho de 2005

Corpos-passagens 2

Cachorros com sentimentos humanos, gatos que só faltam falar, automóveis que "já sabem o caminho do seu dono", espaços adaptados às necessidades de mulheres e homens... toda uma lista de serese objetos humanizados demonstra o quanto a psicologia ganhou espaço fora do reino humano. No cinema, os extraterrestres não escaparam dessa ambição imperialista, e os diversos monstros costumam ser bem recebidos, na medida em que compreendem e aceitam os sinais e os sentimentos humanos. Na publicidade os alimentos ganham rostos, um simples dentifrício se transforma num ser animado que fala e dá conselhos.

Curiosamente, após humanizar a Terra, o Céu e o Inferno, a Ciência e a Técnica, os Objetos e as Máquinas, estes, por sua vez, retornam aos homens e a eles se oferecem, com gestos sedutoramente humanos, nas vitrines e na publicidade. As coisas então comandam os humanos, tal como o universo de roupas, sapatos, tapetes, móveis e outros objetos comandam Jérome e Sylvie, personagens criados por Perec em Les Choses. As coisas nos convidam e incitam o desejo humano com a mesma maestria que um belo corpo incita o desejo de outro. É que, uma vez humanizadas, as coisas sabem dar o troco sem nenhum pudor. Tal como nós, elas sabem seduzir, prometer e ameaçar. A estas alturas da sociedade do consumo, seria o caso de perguntar: "O que pode uma lata de palmito, uma calça Levis ou um Big mac?". As coisas dispostas nas vitrines das lojas podem incluisve nos ver e nos perseguir com seus olhos. Porque, quando as vemos e não as adquirimos, o que elas prontamente sinalizam à nossa visão é o quanto elas vão doravante nos faltar.


(...)

Não há mais tempo para ter somente os humanos como aliados. Nem espaço para descartar tantos objetos transformados em lixo. Estes luxos agonizam. Também não é possível (e esperamos que não seja desejável) simplesmente inverter os termos de uma antiga relação de dominação e colocar não humanos no lugar dos humanos. Mas, paradoxalmente, ainda é tempo de combater a indiferença.

(...)

Haveria muitas coisas a aprender com antigos guerreiros e, também, com os combatentes do cotidiano ordinário de nossos dias. Difícil encontrá-los, dizem uns, não vivem por aqui, dizem outros. Talvez vivam por aqui sim, e bem próximos de nós; pois, se um bom estrategista prima pela discrição, os melhores são aqueles que não deixam traços.


daria pra postar o capítulo inteiro. o capítulo inteiro.

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