14 de setembro de 2004

das crianças

As crianças são emolduradas. Padrões de expressão, jeitos de ser que as tornam menos indivíduos, por isso mais toleráveis pelo resto de nós. Suas maneiras de estar no mundo são podadas até que fiquem aceitáveis, e sua educação se faz, então, sempre pelo embate, combate, conflito de um interesse com uma forma de ser. Estimulamos a relação por papéis desde cedo, fugindo daquilo que é mais cada um. Não deveríamos ficar contentes com bons comportamentos, mas sim com expressões genuínas. Mas fomos ensinados a sermos adultos e não termos paciência com indivíduos. Deveríamos ficar contentes e satisfeitos com aquilo que nos faz felizes, e ao maior número de pessoas possível. Deveríamos estar implicados com essas crianças, e não com o correto, e não com nossos papéis. Nossas funções deveriam se adaptar aos nossos corações e nossas barrigas; só ganhamos teias de aranha, tédio, apodrecimento e rancor com o que está estipulado, instituído, paralizado. As crianças são nossas maiores vítimas.

2 comentários:

Joyce disse...

Diz a minha amiga (não sei se é uma citação ou idéia dela mesmo): "de nada adianta educar as crianças se a sociedade corrompe-nos, adultos". A pergunta é: quem corrompe quem?

Pedro Lunaris disse...

essa me parece mesmo uma boa questão, Joyce... o problema é a força subjetiva dessa corrupção. muito difícil dizer que do "educar as crianças" sem pensar na sociedade como um todo. não temos base empírica para falarmos de crianças educadas livremente, sem um en(tre)laçamento social que as agride de alguma forma, em algum momento...

(também é possível discorrer sobre nossa alteridade, constante capacidade de estarmos "sendo educados"... a criança que sempre haverá em nós, eterno fluxo, processo, aprendente, e que interessa muito para que estejamos vivos e vivendo, ao mesmo tempo que nos torna tão sensíveis a essas porradas. por certo somos fortes - principalmente nossas crianças -, mas se também somos frágeis, não se perde a necessidade de falarmos do que vem de fora, porque isso - esse corpo social - somos, justamente, nós mesmos...)

não penso que seja possível falarmos de outras formas de educação sem pensarmos em sensíveis mudanças socio-culturais. é de tomarmos para nós isso que chamamos de "sociedade", ao invés de remetermos a um monstro mítico criado por outrem - o que me parece ser nosso reflexo condicionado. que a sociedade seja assim é o maior e melhor exemplo de nós mesmos. que a mudemos, permitindo que melhor se respire, parece ser a única saída... como vamos fazer isso é uma questão crucial (há muita pressão do que tu chamou de "corrupção", principalmente - ao menos no que se refere ao que há de mais nocivo para nós - nas repetições que nós mesmos realizamos), mas, de certo modo, já está acontecendo...

penso nisso tudo como Revolução Cultural. parte dela é quebrar os papéis cristalizados que desempenhamos no palco do nosso cotidiano, respostas automáticas as mesmas e a diferentes questões, formas condensadas e engessadas de resposta, de sermos nós mesmos. o Moreno fala um pouco sobre isso, é uma das bases do seu psicodrama. e todo mundo que fala de uma outra forma de ser traz sugestões pra isso... temos opções, Joyce! não é um alívio? a questão passa a ser quebrar com nós mesmos... boa sorte!