30 de março de 2008

Escrever

Escrever é mergulhar. Viver um entre em mim, procurar calmo ou desesperado por algo em um poço onde normalmente tudo é indiferenciado e, ao mesmo tempo, pouco se mistura; muito menos que na procura, onde o caos se agita e tudo afunda ou flutua.

Escrever é muito mais do que definir, até pelo contrário: que tentar encontrar palavra nesse poço-em-mim é dar-me conta daquilo que parece pronto e já não está, assim como do que desde antes se mostra sem tempo (só “antes” ou “depois”), escapa; simplesmente não pode ser contido.

Escrever é deixar claro como nada mais que a única contenção possível (como aquela da letra que se amarra em outras) é a contenção que liberta, como um traço que mostra o quanto tudo que está fora transita para dentro quase livremente e é muito maior. Escrever é um sufoco! E ao mesmo tempo um grande suspiro, como aquele que amanseia o lobo (o louco) que vai viver mais do que a gente. Escrever é traçar destino, porque pouco faz para mais além de apontar caminho como quem já começa a trilhá-lo. Escrever é se fazer de ponte (e inevitavelmente parar no meio para ficar olhando o rio). Escrever é trabalho de molécula, armando fronteiras como quem cria membranas lipossolúveis, como quem cria peles e se arrepia imensamente nos toques – de júbilo, de medo. É que escrever, por último, é abismar-se.

(P.S.: com toda essa idéia profunda de escrita, falta dizer que é nesse traçado que a cobra morde o próprio rabo, e eu escrevendo sobre o escrever acabo entretido nesse texto tão clichê...)

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