3 de setembro de 2007

Paragens oníricas

Aos poucos, o que se passou com a gente vai migrando da nossa vida direta para o campo dos sonhos. Aos poucos, eventos inteiros, dias, campos de ligações de significados; nossas narrativas, nossos dias, formas, cores, pessoas. Palavras no que tem de mais rico, potes de carregamento de coisas para além delas - e nem tanto as palavras, mas justamente as coisas, como blocos cada vez maiores de nós mesmos, tornando-se oníricos, sutilizando influências - às vezes uma excelente maneira de torná-las mais fortes.

Com o tempo, quando lentamente as novas formações de coisas pararem de se realizar em nossas vidas, porções de nós mesmos, os "nós" atuais, também passam para o lado de lá. Essas são as "pequenas mortes por inanição" da nossa multiplicidade. No que tocamos os outros, é o que acontece conosco naturalmente, quando nossa influência vai ficando cada vez mais etérea (e, também, dependendo da sua naturaza, mais ou menos forte). Mas para nós mesmos, no presente, isso também se dá. Até morrermos de vez e sei lá o que acontecerá - quem sabe uma passagem total para o lado de lá.

Outro dia, no entanto, me ocorreu de um indício de "movimento ao contrário". Acontece que na ocasião eu sonhava. E, no meu sonho, comecei a pensar em como seria possível trazer um objeto de lá para cá, de forma a acordar segurando-o.

Não sei quanto ao quê me referia no momento. Quem sabe já está por aqui, pendurado no campo mais sutil do meu corpo presente?

Como disse, não sei. Mas em épocas de questionamentos quanto aos entorpecimentos, me pergunto se não é exatemente esse o trajeto para a saudabilidade humana. Uma relação com o lado-de-lá, campo onírico, como a acordar tantas e tantas coisas adormecidas, como a possibilitar coisas que, sem terem adormecido, surgiram mesmo por aquelas paragens (como os Deuses), e, talvez principalmente, como a aumentar nosso campo de relações, de influências, de possibilidades, por pautar a vida não só nisso que podemos ver enquanto acordados, que podemos tocar e descrever concretamente, mas naquele tanto de inominável e absolutamente maravilhoso.

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